Mais da metade dos moradores das cidades de SP e Rio quer se mudar, aponta Datafolha

Por: Fernanda Mena

Mais da metade (55%) dos moradores da capital paulista sairia da cidade se pudesse, enquanto no Rio 59% se mudaria de lá se fosse possível.

Os dados são de pesquisa Datafolha, cujo histórico aponta para oscilações na relação de amor e ódio dos habitantes de São Paulo com a cidade.

Na virada para os anos 2000, 64% queriam deixar São Paulo e, em 2012, ao contrário, 60% não tinham a menor intenção de se mudar.

Desde então, a proporção de residentes em São Paulo que querem deixar a cidade só aumentou.

A complexidade da vida em grandes cidades, colocada em xeque pela pandemia da Covid-19 e pela percepção de aumento da criminalidade urbana, emerge em outras estatísticas internacionais recentes sobre o tema.

Em Nova York, por exemplo, 59% concordaram com a frase "minha família teria um futuro melhor se nós mudássemos" da cidade de vez.

A mesma pesquisa, divulgada na semana passada, aponta a criminalidade como principal problema para 41% dos moradores da maior cidade dos EUA.

Talvez não sejam coincidência, portanto, os achados de uma segunda parte da pesquisa Datafolha, em que os entrevistados foram perguntados se costumam sentir "muito medo", "um pouco de medo" ou "nenhum medo" de ser alvo de crimes quando estão nas ruas da cidade em que vivem.

Os resultados apontam para uma prevalência generalizada do medo nas capitais de SP e RJ, seja de crimes contra a vida, seja de crimes contra o patrimônio. Entre aqueles que sentem "muito" ou "um pouco" de medo dos crimes, 8 a cada 10 sentem medo ser assassinado nas ruas das cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, enquanto 9 a cada 10 têm medo de ser assaltados na rua.

No estado de São Paulo, o principal medo é o de ser assaltado na rua (83%), seguido de assalto no semáforo (78%), assassinato (73%), assalto em casa (71%), sequestro (66%) e ser atingido por bala perdida (66%).

No estado do Rio de Janeiro, o termômetro do medo é mais alto em relação a assaltos na rua (87%), seguido de assalto no semáforo (82%), ser atingido por bala perdida (80%), ser assassinado (79%), ser assaltado em casa (68%) e ser sequestrado (67%).

"A pesquisa sugere que a agenda da segurança está diluída em questões ligadas à qualidade de vida da população e a sua liberdade de circular sem ser assaltada ou vítima de bala perdida", avalia Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

"Os achados internacionais apontavam para uma certa demografia do medo nos estudos sobre segurança. Por exemplo, pessoas mais velhas costumam ter muito mais medo que as pessoas mais jovens", explica o economista Leandro Piquet Carneiro, coordenador da Escola de Segurança Multidimensional do Instituto de Relações Internacionais da USP.

"O que é muito impressionante no resultado da pesquisa [do Datafolha] é que a demografia parece não funcionar mais. E bem mais que a metade de homens, mulheres, ricos, pobres, negros e brancos têm medo." Para Piquet, "é como se toda a sociedade estivesse bastante impactada pelo medo".

"Os dados estão muito estáveis", afirma Lima. "Mesmo com a recente melhora em alguns indicadores criminais de SP e RJ, as pessoas seguem com medo", aponta ele, que comparou os dados de agora aos de levantamentos realizados pelo FBSP, em parceria com o Datafolha, entre 2017 e 2019.

De acordo com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, em 2021, o estado registrou o menor número de homicídios (2.847 mortes) em 20 anos. Já o Rio de Janeiro, teve em 2021 o menor registro de mortes intencionais (3.245) desde 1991, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP).

A pesquisa Datafolha entrevistou, nos primeiros dias de abril, 1.806 pessoas em 62 municípios do estado de São Paulo, com margem de erro de dois pontos, sendo 840 entrevistas na capital, com margem de três pontos.

No Rio, foram entrevistadas 1.218 pessoas em 30 municípios fluminense, com margem de erro de três pontos, e 644 pessoas na capital, com margem de quatro pontos.

O medo nas capitais é, via de regra, um pouco maior que em cada estado como um todo. Entre homens e mulheres, no entanto, os dados sempre apresentam diferenças marcantes, geralmente superiores aos 10 pontos percentuais, indicando a sensação de maior vulnerabilidade para elas.

Nos casos mais radicais, mulheres desses estados têm muito mais medo que os homens de serem sequestradas –73% delas ante 57% deles, em SP, e, no Rio, 75% delas ante 58% deles– e assaltadas em casa, cenário de alta incidência de crimes sexuais.

Tanto Lima quanto Piquet destacam que o medo não necessariamente está relacionado à criminalidade real. "O medo engana porque ele revela o estado de ânimo e de espírito da população, e não o que está ocorrendo na criminalidade do lugar", afirma o diretor-presidente do FBSP.

"As pessoas do bairro dos Jardins, em São Paulo, ou do Leblon, no Rio, podem ter muito mais medo de morrer assassinos do que moradores de comunidades vulneráveis, onde a ocorrência de homicídios é, de fato, mais frequente e numerosa", explica.

Segundo Piquei, "a falta de correlação entre medo e criminalidade é conhecida" e pode ser ilustrada com o fato de o "Rio de Janeiro ter um índice de homicídios seis vezes maior que o de São Paulo, sem que isso afete a percepção nesta mesma proporção".

Disseminada em um patamar alto, a onipresença do medo nos diversos grupos e estratos sociais desses estados revela, no entanto, nuances que parecem significativas.

Invariavelmente, além da proporção maior de mulheres do que de homens que declara sentir medo, pessoas mais pobres, com renda de até cinco salários mínimos, também têm mais medo, assim como os entrevistados com menor escolaridade (até fundamental completo).

Além disso, em regra brancos sentem menos medo que pardos que sentem menos medo de pretos de São Paulo e do Rio. A única exceção nos dois estados é para assalto na rua no Rio, onde brancos (88%) têm mais medo de pardos (87%) que têm mais medo que pretos (85%).

"A pesquisa mostra convergência entre medo e vitimização: negros, jovens, mulheres e mais pobres. As pessoas que são predominantemente mais vítimas estão com mais medo", diz Lima.

Ele cita como exemplo que enquanto, em média, 83% das pessoas têm medo de ser assaltado na rua em São Paulo (87% no Rio), entre homens brancos esse medo cai para 75% e, entre mulheres negras, sobe para 91%.

"Os discursos sociais de que a população precisa se armar para resolver seus conflitos pode estar amedrontando ainda mais essas pessoas", avalia.

"Os dados reforçam a vulnerabilidades da mulher negra e o lugar social de privilégio dos homens brancos, do tipo, quem pode, se garante e se protege."