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Coluna Ricardo Cravo Albin: Construções e tragédias

Estou convicto de que a tragédia cultural da segunda década deste século foi o trágico incêndio do Museu Nacional. Por outro lado, espero que outro museu seja finalmente inaugurado no Rio, a sede da Av. Atlântica (mesmo duvidosa) do Museu da Imagem e do Som. Ele foi mimoseado com a sigla MIS desde sua fundação, em 1965, quando assumi sua direção-executiva para priorizar uma ação cultural que pudesse projetá-lo para a opinião pública. Por um triz não foi desmontado pelo então BEG, depois Banerj (e hoje mais nada), correndo grande risco de desaparecer naquela época, logo depois de inaugurado.

Nos sete anos iniciais, com criatividade e sem dinheiro, transformamos o MIS no mais bem-sucedido novo museu do país, graças à sua originalidade. Originalidade essa que sempre foi a chamada “posteridade” para suas famosas gravações. Posteridade? Sim, foi esse o nome que dei aos testemunhos gravados e que puseram o museu de pé transformando-o em imediato mito, sedutora novidade arquivística que até então nenhum outro museu experimentara. Até mesmo os depois utilíssimos testemunhos gravados pela Fundação Getúlio Vargas.

Recuperar a memória da cidade foi o desafio de sempre do MIS e dos diretores que me sucederam. Todos os dirigentes que passaram pelo MIS, ao longo dessas décadas já alongadas, mantiveram-se desabridos guardiões da porta que abre os tesouros do passado e a captação do presente. O ontem preservado determinará sempre um futuro definido e justo. Costumo afirmar, não sem razão, que somos perdulários em arrastar para debaixo do tapete as melhores referências da cidade.

Mas não devo apenas lastimar a continuidade do descuido e do desdém, que nos assolam desde sempre. O nosso MIS foi e ainda é o ocupante (agora apenas “part time”) – por décadas a fio – do castelinho encantador da Praça XV. Talvez poucos saibam que este nosso prédio é referência inamovível da cidade e, claro, do MIS. É um dos dois únicos remanescentes da Exposição de 1922 (o outro é o Petit Trianon, da Academia Brasileira de Letras).

Como que para louvar o passado cheio de glórias e inovações, constrói-se, há um tempão, a nova sede para o MIS na Av. Atlântica. Para abrigar um museu sem acervo, somente virtual, digital. Mas cujas sucessivas demoras para ficar pronto me preocupam. Não só eu, mas toda a consciência cultural da cidade. E o pior: onde ficará o preciosíssimo acervo material do MIS, hoje guardado precariamente em velho casarão na Lapa? Gemo de temor que possa a “sede provisória” (provisória há 20 anos!) ser devastada pelo fogo. Como tantos casarões do mesmo porte quase sempre ameaçados por essa possível fatalidade...

Outra inquietação é o destino do prédio encantador que abrigou o MIS durante décadas ao lado Museu Histórico Nacional. O que vão fazer dele, meu Deus? Permito-me disparar daqui dois pedidos aflitos. O primeiro é destinado ao governador Wilson Witzel. O segundo é solicitação ainda mais veemente, quase de joelhos, ao Tribunal de Justiça, para que devolva ao Estado o nosso adorável predinho de 1922. Doado de mão beijada ao TJ, ninguém sabe bem por quê. Ele é, sim, referência cultural fortíssima ao perfil de uma cidade tão descuidada em relação às suas fixações urbanísticas, estéticas e históricas.

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