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Coluna Luiz Antônio Mello: DC-3 assassinado. O que diria Santos Dumont?

No fim de janeiro, este CORREIO DA MANHÃ publicou uma matéria de Cláudio Magnavita intitulada “Pulverizaram um marco da história da aviação”. No subtítulo: “Massa falida da Varig manda destruir aeronave que foi usada pela US Air Force na II Guerra e foi pilotada pelo lendário Howard Hughes”.

Aquele histórico DC-3 pousado no Aterro do Flamengo, meio que tomando conta do Rio de Janeiro, foi destruído, carregando um precioso pedaço da história da aviação no Brasil. E de muitos garotos e garotas que, passando pelo Aterro, inspirados naquele avião guerreiro, nutriram o sonho de um dia se tornarem pilotos. Muitos, de fato, seguiram na carreira.

Fiquei imaginando se Santos Dumont estivesse por aqui e desse de cara com uma notícia dessas. Herói nacional, como interpretaria o desprezo de uma massa falida por algo tão rico em conteúdo, em alma, em espírito? O DC-3 da Varig, era nosso.

Por causa do episódio reli “Asas da loucura: a extraordinária vida de Santos Dumont”, do inglês Paul Hoffman e logo nas primeiras páginas percebemos que a grande loucura do pai da aviação sempre foi o céu. Desde menino ele não cansava de contemplar, deitado na grama da fazenda do pai, milionário, no interior de São Paulo.

O livro conta que o pequeno Alberto observava as aves voando e, muito curioso, achou que poderia imitá-las. Observava, estudava e pressentia que um dia os homens também poderiam estar lá em cima, voando com elas. Seus pais estranhavam o comportamento daquele menino magro, pequeno, que vivia isolado, a ponto de ler toda a biblioteca da fazenda. Não jogava futebol, não andava com a garotada, vivia sozinho sempre desvendando os mistérios da ciência por conta própria.

Milionário de berço, sua vida em Paris, anos depois, foi marcada por bons e importantes amigos. Um deles, Gustave Eiffel, o projetista da torre que, por sinal, morava lá num pequeno apartamento no segundo andar. O sonho de Santos Dumont (concretizado várias vezes) era dar uma volta de balão na Torre Eiffel.

Outra figura de sua roda de amigos foi Louis François Cartier que, por causa de uma conversa com Dumont a respeito da dificuldade de consultar a hora lá nas alturas, inventou, para ele, o relógio de pulso. Amado pela Europa, herói nacional na França que parecia um pop star, Santos Dumont transformou o relógio de pulso em moda mundial e deu no que deu.

Santos Dumont era boêmio, virava noites no Maxim’s, onde na esquina do século 19 com o 20, o consumo da recém-lançada heroína, pelo químico Felix Hoffman em 1897, cocaína, bolas e ópio estavam no auge entre intelectuais. Santos Dumont agradecia, mas descartava. Seu negócio era com o céu e com a elegância.

Usava o tradicional chapéu panamá, vestia cortes caríssimos feitos por renomados alfaiates. Vaidoso, andava e voava impecável. Era um gourmet e adorava almoçar, por exemplo, um filé de linguado acompanhado de iguarias raras (pratos montados por grandes chefs) sempre com champanhe de ótima safra, de preferência na cesta dos balões, flutuando pelos arredores de Paris. Nos longos voos ele armava a “mesa” no fundo da cesta e comia ao sabor do vento.

Perfeccionista, ele acompanhava a construção de seus projetos pessoalmente, subvertendo a física e muitas vezes a matemática. Ao contrário de, pelo menos, 200 equivocados que tentaram voar colando penas de ganso nos corpos e se atiraram de lugares bem altos, morrendo espatifados, Dumont se arriscava baseado em seus cálculos obsessivos. Caiu muitas vezes, mas era sortudo. Aliás, gostava de desafiar superstições como, voar no dia 13, especialmente se fosse uma sexta feira.

Dumont passou a padecer com a matança proporcionada pelos aviões e, também por isso, mergulhou na depressão. Ele se achava responsável pelas mortes e chegou a procurar líderes dos países em guerra para tentar convencê-los a parar.

Não adiantou.

O uso militar dos aviões acabou com Alberto Santos Dumont, cujo final melancólico, triste e devastador foi parecido com o do DC-3 da Varig.

Quem quiser conhecer um fragmento do nosso herói, ou seu inconsciente, vá até “A Encantada”, uma casa mágica que ele projetou. Fica em Petrópolis e não conheço ninguém que tenha resistido ao seu poder de sedução. Foi transformada em museu com objetos, livros, cartas e mobiliário, bem como o chuveiro e a escada de entrada, com degraus em forma de raquete, que só se pode acessar começando com o pé direito. Talvez uma ironia do homem que não acreditava em superstições.

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