Coluna Magnavita: O que a CPI do Senado tentou esconder - (Parte I): CPI estadual abre caixa preta do Consórcio Nordeste

Coluna Magnavita: O que a CPI do Senado tentou esconder - (Parte I): CPI estadual abre caixa preta do Consórcio Nordeste

Deputados do RN revelam o “golpe” milionário em nove governadores

Por Cláudio Magnavita*

É inacreditável que nove governadores de estado tenham caído juntos em um golpe que lesou uma das regiões mais pobres do país. Todos eles firmaram um documento no dia 6 de abril de 2020 repassando para um ente federativo que criaram, o Consórcio Nordeste, um total de R$ 48 milhões para compra de respiradores fantasmas. Cada estado possui a sua própria procuradoria estadual, sua controladoria e o seu tribunal de contas. Apesar destes órgãos, os nove seguiram como patinhos em direção a uma fraude que hoje está no MPF e no STF. A situação é tão primária, que é difícil não acreditar que experientes políticos tenham endossado um dos negócios mais escandalosos envolvendo compras para a saúde e combate à covid-19 por pura ingenuidade.

Este é um assunto que tem sido mantido a sete chaves e houve um esforço concentrado do grupo G7 da CPI do Senado para que o tema não entrasse na pauta. Eles foram vitoriosos e evitaram o constrangimento de ver o filho do relator, o governador Renan Calheiros Filho ter de explicar como foi “ingênuo” torrar R$ 5 milhões do povo alagoano em um golpe, com componentes escandalosos, envolvendo dois ex-ministros do PT e nove chefes do executivo estadual, que travam uma luta fratricida com o governo federal.

A caixa preta está sendo aberta por uma Comissão Parlamentar de Inquérito, instalada pela Assembleia do Rio Grande do Norte e presidida pelo deputado Kelps Lima (Solidariedade), com três mandatos, experiente advogado, que conseguiu aprovar a criação da CPI e, com os poderes que lhe são outorgados, está tirando o sono não só da Governadora petista Fátima Bezerra, como de oito colegas, especialmente o da Bahia, Rui Costa, que teve o seu chefe da Casa Civil citado por um dos envolvidos, por incentivar o superfaturamento de 20 mil dólares para 30 mil de cada aparelho que deviam salvar vidas. Quantos morreram por este erro coletivo?

O primeiro grande erro, apontado por Kelps, foi o Consórcio ter usado como intermediário de um negócio de R$ 48 milhões uma empresa com apenas oito meses de funcionamento, com um capital social de R$ 100 mil reais e funcionando em um apartamento residencial em São Paulo. A CPI descobriu que o contrato original previa uma cláusula de fiança bancária, que constava na minuta aprovada pela Procuradoria Geral do Estado da Bahia-PGEBA. Esta cláusula sumiu no documento final, que foi tocado pelo ex-ministro do PT, Carlos Gaba, secretário executivo do Consórcio e seu responsável perante a Receita Federal (consta o seu e-mail no cartão de CNPJ). Ele é remunerado com um salário equivalente a secretário de estado e maneja um orçamento mensal de R$ 1 milhão, com direito a passagens aéreas, diárias, carro, equipe em Salvador e em Brasília, onde funciona as duas sedes. O dia a dia é tocado por ele que responde ao Presidente do Consórcio, antes Rui Costa e a partir de setembro de 2020, o Governador do Piauí, Wellington Dias.

A empresa contratada para trazer os respiradores, Hempcare Pharma Representações, CNPJ 34.049.323/0001-91, foi criada em 27 de junho de 2019 e funciona no apartamento 73-A do número 565, da Av. Barão de Melgaço em São Paulo. O Gaba, apesar de ser ex-ministro, não estranhou que a nota de R$ 48 milhões que ele autorizou o pagamento, era a de número 002, ou seja, o segundo faturamento de uma empresa criada oito meses antes e que funciona em um endereço doméstico. A liquidação foi feita sem nenhuma garantia bancária, como descobriu a CPI potiguar.



Convocado pelos deputados, ele entrou mudo e saiu calado da audiência em Natal, para onde foi com passagem paga pelo Consórcio, ou seja, dinheiro do povo nordestino.

O clima amistoso que envolveu inicialmente a participação de Carlos Gabas na CPI, que esperava ser algo fraterno por se tratar de uma Assembleia do nordeste, ou seja, de um estado amigo e por ter como relator o deputado Francisco, do PT, evaporou na véspera do depoimento, quando surgiu a informação do compartilhamento com a CPI de alguns documentos confidenciais e que estavam sob segredo de justiça.

O apavoramento surgiu com a abertura da caixa preta, já que a Procuradoria Geral da Bahia enviou a CPI a íntegra do processo de cobrança dos respiradores, que segue na justiça baiana sob o número 8053738-45.2020.8.05.0001. Apesar de ser uma ação de cobrança, foi decretada o sigilo. Junto com a documentação, veio as delegações premiadas dos empresários nas quais revelam a negociação de benefícios aos contratantes. Esta ação que corre em segredo, ganhou a adesão de todos os outros estados, que buscam o ressarcimento. Para entrar, cada PGE teve acesso aos autos e sabe do conteúdo explosivo dos depoimentos, inclusive do pedido de vantagens relatados pelos empresários envolvidos. Se um procurador estadual não informou ao seu governador as acusações listadas, a situação fica ainda mais grave.

O deputado Kelps e mais dois colegas do partido entraram na justiça potiguar pedindo que o estado se desligue imediatamente desta mini federação criada para combater o Governo Federal e virou o pivô de mais um fato que associa a esquerda à corrupção. A Comissão Parlamentar teve acesso também ao processo que corre na Controladoria Geral da União (CGU), que forneceu senha de acesso. Falta apenas a juntada do processo que corre no STJ, no qual consta as delações. O ministro Og Fernandes consultou o Ministério Público Federal para a liberação.

No ano passado, houve uma corrida por respiradores no mundo. A compra que seria realizada na China, não saiu do papel. A solução foi adquirir respiradores que seriam fabricados no Brasil, em Araraquara, cidade comandada pelo ex-ministro do PT, Edinho Silva, prefeito do município. Os respiradores seriam fabricados na cidade ao custo de R$ 50 mil reais cada, para serem repassados ao consórcio pelos mesmos R$ 150 mil.

A CPI descobriu que houve o pedido para que 30 respiradores fossem doados à prefeitura de Araraquara, por decisão de Carlos Gabas, como foi dito em um dos depoimentos. O Nordeste sendo generoso com um rico município paulista. A informação surpreendeu a todos.

O processo de compra naufragou novamente. Antes que saísse do controle e houvesse uma investigação federal, a Polícia Civil da Bahia realizou no dia 1º de junho de 2020 a operação Ragnarok com a prisão da dona da Hempcare, Cristiana Prestes, do sócio dela, Luiz Henrique Ramos, que foram detidos em Brasília, e o empresário Paulo de Tarso, da Biogeoenergy (que fabricaria os respiradores) capturado no Rio de Janeiro.

A operação, conforme explicou a delegada Fernanda Asfora, coordenadora do setor de Crimes Econômicos e Contra a Administração Pública ao site G1 Bahia, se deu a partir de um inquérito policial instaurado, que tinha como objetivo apurar as fraudes no âmbito da contratação do Consórcio Nordeste com a empresa Hempcare, na compra de 300 ventiladores clínicos de UTI, que seriam distribuídos para todos os estados do nordeste. A Bahia receberia 60 respiradores e os demais estados ficariam com 30 cada. Por envolver Governadores e vários estados, a investigação foi federalizada indo para o MPF e o processo deixando o TJ-BA subindo para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Membro da comissão que fiscaliza as ações do Consórcio Nordeste, o deputado estadual da Bahia Paulo Câmara (PSDB) declarou, em uma live promovida pelo site Política Livre, em 15 de junho de 2020, que o governador Rui Costa (PT) está “visivelmente transtornado” após a apuração da suposta fraude dos respiradores ter saído das mãos da Procuradoria-Geral da Bahia (PGE-BA) e ido direto para a esfera federal. O site publicou: “No bate-papo online conduzido pelo editor Raul Monteiro, o parlamentar disse também enxergar a Operação Ragnarok, deflagrada pela Polícia Civil da Bahia, como uma espécie de “vacina utilizada pelo Governo da Bahia”. Para ele, a intervenção, que prendeu três pessoas acusadas do golpe, serviu para blindar o Estado para o eventual surgimento de “uma coisa maior”, como classificou. O Política Livre revelou “O tucano lembrou, ainda, da delação feita pela empresária Cristiana Prestes Taddeo, dona da Hempcare, envolvida no caso. Em depoimento, ela acusou o ex-secretário da Casa Civil, Bruno Dauster, de ter sugerido um aditivo no contrato para aumentar o valor dos respiradores comprados.” Afirmou o deputado estadual Paulo Câmara ao site “o Dauster está aí pedindo para superfaturar o contrato de R$ 20 mil para R$ 35 mil dólares, segundo a empresária Cristiana Prestes. Ela usou esse termo. Ela disse que ‘ele quer estuprar o estado da Bahia’. Olhe o nível. Uma empresária dizendo que o secretário da Casa Civil quer estuprar o estado com superfaturamento. É o depoimento dela. Não estou inventando. E você quer que eu não cobre o governador por uma resposta? Essa é uma ação total e exclusiva do meu estado”, concluiu o parlamentar ao Política Livre. Nenhum centavo dos R$ 48 milhões foi recuperado.

Na prática, as ações do Consórcio não estão subordinadas a nenhum órgão fiscalizador. Apesar do seu caráter federativo, fica longe do alcance do Tribunal de Contas da União e cada um dos estados responde ao seu próprio Tribunal de Contas apenas sobre o repasse realizado. A CPI já tem novos e explosivos depoimentos agenciados, que deverão agora atrair a atenção da mídia nacional. Já estão confirmados: Paulo de Tarso Carlos, proprietário da BioGeoenergy – 27 de outubro; Cristiana Prestes Taddeo, sócia da Hempcare – 3 de novembro; Luiz Henrique Ramos, sócio da Hempcare – 3 de novembro; Bruno Dauster, ex-Secretário da Casa Civil/BA – 4 de novembro; Carlos Kerbes e sócio do irmão do ex-Secretário da Casa Civil/BA – 24 de novembro. Aguardando pauta, já com a convocação aprovada entre outros nomes o ex-presidente do Consórcio, Rui Costa, responsável pela contratação dos respiradores fantasmas. Ele está sendo convocado como gestor maior do consórcio e não como Governador da Bahia. Em Brasília, a CPI do Senado continua ignorando o caso.

(Continua amanhã: Parte II- A “ingenuidade de nove governadores)

*Cláudio Magnavita é diretor de redação do Correio da Manhã