Textos inéditos de Brecht reunidos em livro mostram teoria que virou teatro

Por: Paulo Bio Toledo

Depois de William Shakespeare, Bertolt Brecht é o autor teatral mais representado no planeta. Seu alcance e importância como um dos grandes dramaturgos da história é enorme e sua obra segue despertando interesse. "Mãe Coragem e Seus Filhos", "O Círculo de Giz Caucasiano" ou "A Ópera de Três Vinténs" são algumas de suas peças que se tornaram clássicos do teatro mundial e referências no debate sobre teatro e engajamento político.

Menos conhecido, e menos compreendido, é seu trabalho em cima dos palcos, como diretor de suas peças, a inventar técnicas para modificar a relação entre o espetáculo e o público ou formando atrizes e atores para o que ele chamou de o novo teatro da "era científica".

O lançamento do livro "Sobre a Profissão do Ator" pela editora 34 dá a ver essa parte decisiva e fundamental do trabalho do autor alemão. O material, até então inédito em português, organizado originalmente em 1970 por Werner Hecht, na Alemanha, reúne textos, anotações, propostas de trabalho e fragmentos escritos por Brecht ao longo de toda a sua vida.

Na edição brasileira foram inseridas, ainda, mais de 190 notas de rodapé que se tornam um valoroso guia histórico do pensamento de Brecht e das circunstâncias da escrita de cada um dos textos. O volume conta também com um apêndice com diversas fotos de espetáculos que ajudam a visualizar os comentários feitos pelo autor.

Parte desse trabalho editorial ficou a cargo da dupla de tradutores, Laura Brauer e Pedro Mantovani, que são também estudiosos e pesquisadores da obra de Brecht, além de artistas interessados no teatro épico brechtiano. A tradução, portanto, é marcada por uma sensibilidade prática, que busca sublinhar a utilidade dos escritos.

Durante a leitura dos textos selecionados para o livro fica evidente que o teatro épico de Brecht não é somente uma questão dramatúrgica, ou uma perspectiva de encenação, é também um modo novo de estar em cena e de atuar. As principais técnicas e conceitos em torno do trabalho de Brecht, como o famoso efeito de estranhamento (o efeito-e) e a gestualidade social (gestus), dependem diretamente de uma nova atitude do ator em cena.

Como se sabe, no teatro épico, o ator não deve tentar desaparecer, para criar a ilusão de que se transformou na personagem. "O ator deve almejar permanecer humano", diz Brecht. "Ele imitará outra pessoa, mas não de tal modo ou a tal ponto que o tomemos por ela."

Entretanto, os textos reunidos no volume mostram que recusar a ilusão ou a identificação emocional com a personagem não deve ser sinônimo de um teatro frio e mecânico. Ao contrário, o autor sublinha sempre que o teatro épico é uma operação fundamentalmente artística: "O palco não é um herbário nem um museu zoológico com animais empalhados. O ator deve ser capaz de criar seres humanos".

Se no teatro tradicional "o espectador deixa sua razão, com o casaco, na chapelaria", aqui a ideia é convocar o pensamento e fazer com que a emoção esteja sempre conectada ao raciocínio. Afinal, nas palavras do autor alemão, "a razão nunca se lança friamente na luta."

Desde a juventude, Brecht dedicou atenção especial à atuação. O cantador Frank Wedekind, presença marcante nas feiras e cabarés de Augsburg e Munique, e o palhaço alemão Karl Valentin foram, talvez, o primeiro grande modelo de Brecht em sua jornada para transformar a função social do teatro. Mais tarde, Charles Chaplin passa também a causar enorme admiração.

As ideias que aparecem nos textos do livro, portanto, não são apenas considerações marginais sobre atuação vindas de um teórico e dramaturgo, mas sim parte central e decisiva de seu trabalho. A "profissão do ator" é o que dá corpo ao seu pensamento, é o coração de seu teatro.

A publicação do volume pela 34 inaugura uma série de outros livros de Brecht que a editora prepara. Segundo o editor Milton Ohata, em 2023 devem sair versões revistas e modificadas das traduções feitas por Roberto Schwarz para as peças "A Vida de Galileu" e "Santa Joana dos Matadouros".

A casa ainda tenta localizar a tradução que Schwarz fez de "A Exceção e a Regra", em 1966, para uma montagem dirigida por Paulo José com o grupo estudantil do Tusp que circulou em sindicatos da região metropolitana de São Paulo. Além disso, a editora planeja também publicar o "Complexo Fatzer", peça fragmentada e inacabada na qual Brecht trabalhou entre 1926 e 1930, um material ainda inédito em português.

Embora muito se diga que o autor fale sobre um tempo que já passou, que ostente um socialismo empoeirado, ou que sua teoria já foi incorporada pela indústria cultural e, portanto, esvaziada de seu sentido crítico, a verdade é que Brecht ainda ensina muito e orienta sensibilidades marcadas pelo inconformismo social.

SOBRE A PROFISSÃO DO ATOR
Preço: R$ 71 (288 págs.)
Autor: Bertolt Brecht
Editora: Editora 34
Tradução, introdução e notas: Laura Brauer e Pedro Mantovani