MP não intimida Canabrava

Em dezembro de 2021, o Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ) desarticulou uma quadrilha que transportava Etanol Combustível de forma fraudulenta e, posteriormente, o comercializava, de qualidade duvidosa, nos postos do Rio de Janeiro, como se tivesse sido produzido no Rio.

Essa prática, além de colocar em risco o consumidor, sangrava em milhões os cofres do Governo do Estado. No teor do pedido do Ministério Público para justiça, havia um capítulo especial ao Grupo Canabrava, alvo de reportagens anteriores do Correio da Manhã. Questionada pelo jornal, o porta-voz da empresa “afirma desconhecer ser alvo de investigações do Ministério Público, especialmente do GAECO, e que não foi intimada para prestar esclarecimentos, ou citada em processo judicial para apresentar sua defesa.”  

A reportagem apurou que, apesar das negativas, fica explicitado que existe uma investigação em andamento, a qual teria uma proporção de dano ao erário e ao consumidor muito maior do que já havia sido apurado pelo GAECO até aquele momento.

Como consta no pedido Ministerial, a Usina Canabrava foi beneficiada pelo Governo Sérgio Cabral por um regime especial. Por esse regime, a Canabrava, ao invés de pagar 32% de ICMS, como todas as demais empresas do segmento, paga apenas 2%. É neste gatilho que mora um negócio milionário: o de trazer combustíveis de outros estados e vender com um ICMS quase simbólico, o que não ocorreria se a origem fosse declarada. Não satisfeita com o absurdo privilégio concedido por Sérgio Cabral, a Canabrava estaria trazendo Etanol de outros estados, de forma fraudulenta, fingindo que ele foi produzido na Usina. Dessa forma, consegue fraudar o fisco e utilizar o benefício fiscal concedido por Cabral.

Mas o que chama atenção é que a forma de atuação destes sonegadores. Mesmo após o Ministério Público destacar que investigava o esquema, eles não apenas o continuam, como aumentaram o volume vindo de outros estados e, mesmo com a Usina parada, em razão da entressafra, finge que estão produzindo milhões de litros por mês.

Consultada sobre a capacidade de produção, a Usina informou ao Correio da Manhã que é de 1.600.000 (um milhão e seiscentos mil), toneladas de cana de açúcar. Porém, a estimativa da matéria prima na região é de apenas 2 milhões, não existindo cana suficiente para três usinas.

Questionada sobre a produção nos últimos noventa dias, a Canabrava informa que foram moídas apenas 31.157 (trinta e um mil, cento e cinquenta e sete) toneladas de cana de açúcar. Alega que entre dezembro e abril a região passa por período de entressafra. Segundo fontes do mercado, a Canabrava vem comprando grandes volumes da FS Bioenergia e da Canex Bioenergia. A empresa nega que haja este relacionamento comercial, que é apontado pelo mercado.  A compra de etanol de terceiros é o que turbina o negócio, montado com as alíquotas de 2% de ICMS. Nenhum outro oferece uma margem de ganho tão vantajosa.

A Usina Canabrava, que teve investimento de centena de milhões de reais pelos fundos de pensão, é uma verdadeira máquina de encrencas para os seus investidores. Questionada sobre a participação dos fundos no seu capital, a empresa é lacônica na sua resposta: “O grupo Canabrava é uma Sociedade Anônima de Capital Fechado. Portanto, não tem a obrigação de divulgar sua composição ou participação acionárias”. É exatamente esta falta de transparência que faz crescer uma nuvem de suspeição sobre a empresa. Hipoteticamente, se não bastasse o dinheiro investido e perdido pelos fundos de pensão, a mesma foi acumulando um passivo imenso com fornecedores e, principalmente, com os trabalhadores. E foi essa dívida que o gerou a maior encrenca de todas.

Em uma decisão inédita, a justiça do trabalho retirou da gestão da Usina os fundos de pensão que haviam realizado o investimento e nomeou um grupo totalmente desconhecido no setor sucroalcooleiro e que não detinha em seu capital social nenhum ativo que pudesse garantir a estranha nomeação judicial. Na prática, o grande negócio que mudava de dono era o direito de comercializar etanol no Rio só com 2% de ICMS, uma vantagem competitiva que poderia ser turbinada pelo ingresso de etanol “importado” de outros estados. O grupo desconhecido do mercado industrial era mais do que conhecido das autoridades. Rodrigo Luppi e seu Pai, conhecido como Major Dirceu, foram acusados na CPI dos Combustíveis como os maiores adulteradores do País. Em uma rápida pesquisa no site da Justiça Estadual Fluminense, é possível identificar que eles respondem por processos de adulteração de combustíveis. Em nota enviada ao Correio da Manhã a empresa informou: “O grupo Canabrava informa que desde sua constituição nunca teve relacionamento com a pessoa de alcunha Major Dirceu, seja em seu quadro acionário ou em sua diretoria”. As investigações apontam, porém, outra direção. Foi a partir desta gestão que a usina foi flagrada na maior apreensão de combustível da história do país, de 16 milhões de litros de etanol, adulterados com metanol.

Essa fraude foi amplamente noticiada na época e colocou em risco os veículos e a saúde pública do Estado do Rio de Janeiro, pois o metanol é um produto que mata através do simples contato com a pele. Nem mesmo esse escândalo que causou prejuízo ao erário, ao consumidor e a saúde pública fez com que a justiça do trabalho revertesse à decisão da nomeação da dupla na gestão.  A manutenção do comando da Canabrava possibilitou que criassem essa nova modalidade de fraude fiscal, a qual, mesmo após o Ministério Público ter citado em seu relatório, continua a pleno vapor.

O MP-RJ segue a sua investigação e o Governo do Rio, através da Secretaria da Fazenda e da Procuradoria Geral do Estado (PGE), deve colocar lupa no negócio, que pode ser lesivo aos cofres do estado.