Zelenski vai a Butcha e chama mortes de civis de genocídio

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, foi na manhã desta segunda-feira (4) à cidade de Butcha, nos arredores de Kiev, o novo epicentro das tensões do conflito depois de centenas de corpos de civis terem sido encontrados pelas ruas e em valas comuns após a retirada de tropas russas.

Cercado de seguranças e com um colete à prova de balas, Zelenski conversou com jornalistas e disse que o cenário é de crimes de guerra, que devem "ser reconhecidos pelo mundo como um genocídio".

Para o presidente, o cenário visto também se torna um obstáculo para as negociações de paz, marcadas por uma série de encontros presenciais e virtuais pouco frutíferos. "É muito difícil conversar quando se vê o que fizeram aqui. Quanto mais a Rússia arrastar o processo, pior será para eles e para esta guerra."

"Nós queremos mostrar ao mundo o que aconteceu aqui. O que as Forças Armadas da Rússia fizeram. O que a Federação Russa fez na pacífica Ucrânia. É importante que vocês vejam que [as vítimas] eram civis", disse o presidente, depois de destacar a importância da presença da imprensa na cidade.

A fala de Zelenski ignora a decisão do SBU (Serviço de Segurança da Ucrânia) de expulsar do país o jornalista holandês Robert Dulmers, do jornal Nederlands Dagblat, por ter postado no Twitter imagens de depósitos de combustível em chamas após um ataque russo em Odessa, porto no sul do país.

Segundo o SBU, ele violou a lei que proíbe filmar alvos militares. Dulmers, 56, tinha credenciamento regular e também foi proibido de voltar à Ucrânia por três anos. A lei é objeto de contestação por parte de jornalistas ucranianos e estrangeiros, por ser altamente restritiva e prever até 12 anos de prisão em alguns casos, como a identificação de movimentos de militares e blindados.

Em Butcha, o presidente ucraniano disse ainda que o cenário é uma "questão de vida, morte e tortura". Alguns dos corpos encontrados nas ruas da cidade estavam com as mãos amarradas nas costas e, segundo autoridades locais, a maior parte das vítimas foi executada com tiros na nuca. Muitos carregavam tecidos brancos -um sinal de que eram civis e estavam desarmados.

"Vamos colocar pressão máxima. Não vamos parar um minuto até encontrar todos os criminosos, e acho que isso beneficiará a civilização", disse Zelenski, pedindo uma solução civilizada para o conflito. Se isso não acontecer, disse ele, subindo o tom, o povo ucraniano "encontrará uma solução não civilizada".

Na noite de domingo, em seu pronunciamento diário aos ucranianos, o presidente fez uma série de referências dramáticas às imagens de Butcha. Descreveu em detalhes as violações a que os civis da cidade teriam sido submetidos antes e depois de serem mortos. Apelou inclusive às mães dos soldados russos, isentando-as da culpa de terem criado filhos "carniceiros", "sem alma" e "sem coração".

"O mundo já viu muitos crimes de guerra. Mas é hora de fazer todo o possível para tornar os crimes de guerra dos militares russos a última manifestação de tal mal na terra", disse Zelenski.

Depois de fala do líder ucraniano nesta segunda, oficiais do país conduziram um grupo de jornalistas ao porão de uma casa que eles disseram ser uma residência de verão para crianças. No local, havia cinco homens mortos com as mãos amarradas nas costas, segundo a agência de notícias Reuters.

"Eles levaram tiros, na cabeça ou no peito. Foram torturados antes de serem mortos", disse aos repórteres Anton Heraschenko, conselheiro do ministério do Interior ucraniano. Segundo o prefeito de Butcha, ao menos 50 moradores da cidade foram mortos deliberadamente pelos soldados russos em execuções extrajudiciais. A informação não pôde ser confirmada de forma independente.

A Rússia nega matar civis de forma deliberada e afirma que não é responsável pelas mortes em Butcha. O Kremlin diz que deixou a cidade em 30 de março, dias antes das denúncias de assassinatos pelas ruas, e afirmou que as imagens são falsas, frutos de manipulação e de "provocação ucraniana".

"Essa informação deve ser seriamente questionada", disse o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov. "Nossos especialistas identificaram sinais de falsificação nos vídeos e outros conteúdos falsos."

A descoberta dos corpos elevou a pressão internacional sobre Moscou, com acusações de crimes de guerra e pedidos de investigação.

Nesta segunda, a União Europeia anunciou a abertura de um inquérito, em conjunto com a Ucrânia, para apurar as circunstâncias do cenário de massacre visto em Butcha.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse ter conversado com Zelenski por telefone e ofereceu condolências pelos "assassinatos atrozes" cometidos na cidade. A operação envolverá diversas instâncias do bloco europeu, como Eurojust e Europol, além de agências de investigação dos países-membros da UE e órgãos como o Tribunal Penal Internacional. O pedido de investigação das mortes em Butcha também foi reforçado pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que voltou a se referir a seu homólogo russo, Vladimir Putin, como "criminoso de guerra".

"Esse cara é brutal, e o que está acontecendo em Butcha é ultrajante. Isso é um crime de guerra, ele [Putin] deve ser responsabilizado", disse Biden a jornalistas nesta segunda. A Casa Branca anunciou que vai impor novas sanções contra a Rússia na próxima semana, mas o líder americano não deu detalhes quando questionado sobre o que haveria de novo no novo pacote de retaliações.

No Reino Unido, a secretária de Relações Exteriores, Liz Truss, disse que a Rússia deve ser expulsa do Conselho de Direitos Humanos da ONU, "dadas as fortes evidências de crimes de guerra, incluindo relatos de valas comuns e de hedionda carnificina em Butcha". O pedido para que Moscou seja excluída do colegiado deve ser apresentado pelos EUA. Em visita à Romênia, a embaixadora americana na ONU, Linda Thomas-Greenfield, afirmou que vai formalizar a solicitação à Assembleia-Geral.

"Minha mensagem para os 140 países que corajosamente se uniram é: as imagens de Butcha e a devastação na Ucrânia exigem que agora combinemos nossas palavras com ação", disse.

De Genebra, o embaixador russo na ONU, Gennadi Gatilov, disse que dificilmente a expulsão da Rússia terá o apoio da maioria e afirmou que "Washington explora a crise da Ucrânia para seu próprio benefício".

No domingo (3), o premiê britânico, Boris Johnson, prometeu "fazer de tudo para matar de inanição a máquina de guerra de Putin". Outros líderes europeus, como o alemão Olaf Scholz e o francês Emmanuel Macron também fizeram duras declarações contra Moscou a partir dos acontecimentos em Butcha.

À rádio France Inter Macron disse ser favorável à imposição de novas sanções contra à Rússia, por exemplo contra o petróleo e o carvão de Moscou. "O que aconteceu em Butcha impõe uma nova rodada de retaliações. Vamos coordenar [o movimento] com nossos sócios europeus, em particular a Alemanha."