Premiê da Itália anuncia renúncia, presidente rejeita e país mergulha em instabilidade

A Itália vive nesta quinta-feira (14) mais um episódio da série de reviravoltas que caracterizam a política do país nas últimas décadas. O primeiro-ministro Mario Draghi anunciou sua renúncia movido pela crise detonada pelo Movimento 5 Estrelas (M5S), um dos partidos que compõem a coalizão governista.

A legenda decidiu não apoiar um decreto no Senado que tinha a validade de um voto de confiança ao governo. Logo depois da votação, Draghi foi ao Palácio Quirinale, em Roma, para se encontrar com o presidente Sergio Mattarella, cuja função constitucional inclui indicar os rumos do governo para tentar resolver imbróglios como o que vem se desenhando há semanas.

Draghi saiu do Quirinale com uma reunião marcada com seu gabinete de ministros. A pauta, claro, era a apresentação de seu pedido de demissão, que seria formalizado horas depois no palácio presidencial. O enredo, no entanto, se complicou quando o presidente Mattarella divulgou comunicado em que afirma ter rejeitado a renúncia do premiê e o aconselha a se apresentar ao Parlamento italiano.

Ainda que a coalizão que levou Draghi ao poder há apenas 17 meses de fato se imploda com a iminente saída do M5S, o ex-líder do Banco Central Europeu, de 74 anos, ainda tem maioria parlamentar. Isso significa que, caso queira permanecer no cargo, terá apoio do Legislativo.

Draghi, porém, vinha dizendo que não faria sentido seguir como chefe de governo sem a aliança com um dos principais partidos da coalizão.

Aprovado no Parlamento por 172 votos a 39 -sem a participação dos deputados do M5S-, o voto de confiança desta quinta-feira foi usado para agilizar a liberação de um pacote de € 17 bilhões, chamado de Ajuda, com medidas para aliviar o impacto do aumento dos preços de matérias-primas e da energia.

A votação se tornou nos últimos dias um ponto focal dentro da ampla coalizão de Draghi, enquanto seus partidos se preparam para concorrer entre si em uma eleição nacional prevista para o início de 2023.

Liderado pelo ex-primeiro ministro Giuseppe Conte, o M5S vinha pressionando Draghi a fazer mais para ajudar a amortecer o acréscimo do custo de vida.

Draghi havia dito diversas vezes em ocasiões anteriores que não gostaria de liderar uma nova coalizão de governo ou de permanecer no cargo sem o M5S, que emergiu como o maior partido no pleito de 2018.

Desde então, contudo, a sigla sofreu deserções, com cerca de 50 parlamentares migrando para outros partidos, e perda de apoio público. Com a crise de identidade e as disputas de poder interna, o M5S tem 10% das intenções de voto nas pesquisas para as eleições legislativas de 2023. A cifra posiciona o partido em um amargo quarto lugar na preferência dos eleitores.

O ex-líder do M5S e atual ministro das Relações Exteriores, Luigi Di Maio, fundou inclusive seu próprio partido, chamado Juntos pelo Futuro (IPF), e tenta ganhar visibilidade antes das eleições.

Draghi ascendeu ao poder em fevereiro de 2021, convidado pelo presidente Mattarella para liderar uma coalizão heterogênea que reunia quase todos os partidos representados no Parlamento, com exceção da sigla de ultradireita Irmãos da Itália, que permaneceu na oposição.

Sua missão era realizar as principais reformas exigidas pela maior parcela de fundos de recuperação pós-pandemia da União Europeia, um pacote no valor aproximado de € 200 bilhões para a Itália.

Desde então, o governo se viu envolvido na Guerra da Ucrânia, na qual adotou uma linha pró-UE, enquanto lutava contra a inflação crescente. O apoio de Draghi a Kiev, com o envio de armas e o aval às sanções da UE, ganhou um voto de confiança parlamentar em junho, apesar das críticas de Conte de que a política arriscava iniciar uma corrida armamentista.

Em seu governo, Draghi também lidou com a campanha de vacinação contra a Covid-19, depois de a Itália ter sido um dos primeiros símbolos da tragédia provocada pelas mortes na pandemia.