O novo papel russo no Oriente Médio

Por Gustavo Barreto

Com a recente decisão do governo do presidente Vladimir Putin de assumir as mediações na escalada de tensão entre o governo sírio de Bashar al-Assad e a Turquia de Recep Erdogan surge um quadro cada vez mais nítido dos esforços da Rússia em reoganizar o mapa geopolítico na região.

Após a decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de retirar o contingente de mil militares americanos responsáveis por dar suporte aos combatentes da FDS (Forças Democráticas da Síria) na luta contra o Estado Islâmico, o sentimento expresso pelos mesmos foi de abandono frente ao avanço das forças turcas e a situação ideal para o fortalecimento russo na região.

Em entrevista concedida à agência de notícia TASS, o ministro do exterior russo, Sergei Lavrov, disse que a relação entre os Estados Unidos e a FDS estava fadada ao fracasso desde o início e que havia alertado contra o perigo de “brincar” com a situação curda:

“Estivemos alertando por anos sobre o perigo do experimento que os americanos estavam conduzindo lá, tentando colocar as tribos curdas e árabes umas contra as outras de todos os jeitos possíveis. Nós estivemos alertando contra o perigo de brincar com as cartas curdas, sobre como nada de bom pode vir disso”.

Em comunicado, o Kremlin publicou uma declaração do presidente, no qual ele reiterou “a importância de garantir a unidade e integridade territorial da Síria, bem como respeito por sua soberania”.

Aliado próximo do controverso presidente sírio Bashar al- -Assad, Putin liderou as forças de coalizão que enfrentaram as primeiras levas de rebeldes que visavam derrubar Assad, no início da guerra da Síria.

Para Putin, era vital manter os laços políticos com Assad para proteger a posse sobre a base naval de Tartus, importante posto de operação russa na região. Os investimentos russos no mercado de petróleo e gás sírio também são essenciais, sendo controlados principalmente por empresas privadas pertencentes a oligarcas do país, bem como aliados próximos de Putin. Um exemplo é a Gazprom Neft controlada pelo bilionário Roman Abramovich.

Segundo uma notícia publicada no site OilPrice, em 2018 o governo Putin havia firmado uma parceria comercial com a administração Assad no qual a Rússia teria prioridade na reconstrução da indústria petrolífera do país, assim como de todo o setor energético sírio Segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional, em 2018 os custos de reconstrução do setor de petróleo e gás sírio estavam estimados entre US$ 35-40 bilhões. Nesse quadro de manutenção da influência sobre Assad, a recente visita de estado de Putin a Riad para se encontrar com o príncipe Mohammed Bin-Salman pode render frutos valiosos.

O último encontro dos dois, por exemplo, sacramentou uma compra no valor de US$ 2 bilhões em equipamentos de defesa antiaérea S-400 russos em nome dos sauditas.

Após décadas de conflitos americanos estafantes, no Afeganistão e Iraque principalmente, o momento para a Rússia reafirmar sua presença na região é largamente propício.

O vácuo deixado pelos EUA bem como uma atuação de mediador pacífico entre turcos e sírios podem ser tudo que Putin está querendo.

 

O ano em que a Turquia quase deixou EUA e Rússia à beira da guerra

Quando observada pela ótica atual, a conturbada relação entre Estados Unidos e Turquia dificilmente lembra a proximidade que quase levou o mundo a uma terceira guerra mundial e a um holocausto nuclear.

Como marco inicial, temos a entrada da Turquia na OTAN em 1952. Àquela altura, a aliança militar global tinha papel -chave nas políticas externas das potências ocidentais, em especial na americana, em reter o avanço do comunismo soviético.

A Turquia surgia então como uma aliada com posição vital no mapa geopolítico.

Sua acessibilidade ao Oriente Médio, bem como ao Mar Negro e ao Mediterrâneo, davam aos aliados ocidentais um meio de montarem postos de vigilância muito próximos a territórios soviéticos como a Armênia, Romênia, Georgia e até mesmo no litoral da própria Rússia.

Eventualmente, a Turquia se tornou um vital centro de armazenamento bélico, sendo o caso mais conhecido a instalação de mísseis Jupiter (ou conhecido pelo nome técnico de PGM-19 Jupiter) armados com ogivas nucleares em seu território, no ano de 1959.

Em 1962 tal movimento foi visto com grande temor por parte da União Soviética devido à proximidade entre o solo russo e turco. Como retaliação, os soviéticos instalaram quase cem tipos diferentes de armas nucleares em Cuba, então controlada por Fidel Castro desde o golpe de 1959. Foram 80 mísseis cruzeiros (modelo KS-1 Komet), 12 ogivas nucleares Luna de curto alcance (modelo 2K6 Luna)e seis bombas nucleares para caças bombardeiro (modelo IL-28).

A chamada crise dos mísseis de Cuba durou 13 dias de outubro de 1962, quando o mundo ficou sob o terror da possibilidade de uma guerra nuclear.

A crise só se resolveu por conversas diplomáticas entre John Kennedy e Khrushchev.