E o império dançou no baile

Reinaldo Paes Barreto*

Ao câmbio de hoje, o Baile da Ilha Fiscal custou cerca de 300 mil dólares e entrou para a História como a maior esbórnia etílico-culinária produzida em uma só noite, por um governo do Brasil. Nos jardins, 10.000 lanternas venezianas espalhavam luz pelo o magnífico espelho d’água da Baía da Guanabara. No interior, o palacete gótico era iluminado por setecentas lâmpadas elétricas, tudo armado para deslumbrar os cerca de 4.500 convidados. E para bem servi-los, 90 cozinheiros prepararam 500 perus, 64 faisões, 800 quilos de camarão, 800 latas de trufas, 1.200 latas de aspargos, 1.300 frangos e 12.000 sorvetes, 1.800 frutas tropicais e queijos de Minas, servidos por 150 garçons. Luxo que somado aos maravilhosos vinhos, ah! as bebidas – vinhos Madeira, Sherry, Marsala, Sauternes (Château d’Yquem), Chablis, Moscato, Margaux, Lafitte, Château Léoville, Lacrima Christi e Porto (safra 1834) e os champagnes Cristal, Veuve Clicquot, Heidsièck, Chambertin e Pommard. –, prometiam uma noite à altura da proposta: mostrar aos nossos vizinhos republicanos (e aos demais) a pompa superior de uma monarquia vis-à-vis o café com pão do bolso raso dos republicanos. E o pretexto parecia se encaixar como luva na cabeça do então primeiro-ministro, o arrogante mineiro Visconde de Ouro Preto: homenagear o comandante Bannen e os oficiais do encouraçado chileno Almirante Cochrane, fundeado no Arsenal da Marinha, nessa noite de 9 de novembro de 1889.

Mas o destino trocou os sinais: deu tudo errado. D. Pedro II, bastante envelhecido para a idade, diabético, pessoalmente sóbrio -- era quase um anti-gourmet, já que não se interessava por nada relacionado a vinho ou comida, embora tenha herdado do avô obeso o gosto duvidoso por canjas e frangos – e exausto dessas encenações-espetáculo (as considerava “uma maçada”), compareceu com a família por honra da firme, pouco comeu, nada bebeu e retirou-se às duas da manhã.

Oito dias depois, a 17 de novembro uma lancha do Arsenal da Marinha levou a Família Imperial para o vapor Parayba, ainda de madrugada. Logo a seguir, alguns ex-colaboradores foram ao encontro do imperador na sua cabine com o intuito de oferecer-lhe dinheiro para -- pelo menos -- os primeiros tempos de exílio. E D. Pedro II recusou, dizendo-lhes: “eu não estarei trabalhando pelo Brasil, não mereço dinheiro dos brasileiros…”

Era um homem honrado. E o Brasil todo sabia. Mas não foi o suficiente. Desde o fim da Guerra do Paraguai, o império já estava respirando por aparelhos,, por algumas razões: os negros que foram para o Prata, lutar ao lado dos soldados brancos, voltaram escravos. Não houve alforria. A esquerda não perdoou. Em 1888, a Princesa Isabel aboliu a escravatura, mas o governo não indenizou os “barões do café”. A direita não perdoou. Além disso, as despesas para financiarem a guerra foram cobertas por empréstimos brasileiros aos ingleses na casa dos 20 milhões de libras esterlinas, o que gerou uma inflação de 1,75% ao ano. O mercado não perdoou. E mais: o imperador não tinha filhos homens, logo a herdeira seria a Princesa Isabel, casada com um francês insolente – o Conde d`Eu – que falava com sotaque e era visto pela opinião pública como lobista da gulosa França. E ela ainda por cima era amiga dos irmãos Rebouças, com quem dançava, às vezes, nos bailes do Palácio Imperial, em Petrópolis – e os dois eram negros.

Tempestade perfeita, para usar o bordão da atual pandemia.

Epílogo: ao meio-dia desse chuvoso domingo, 18 de novembro de 1889, o Parahyba zarpou para a Ilha Grande e, à noite, foi feito o transbordo dos futuros exilados para o vapor Alagoas, que fez-se ao mar-oceano da costa brasileira, a caminho da Europa, levando D. Pedro II. Para nunca mais voltar.

 

*Colunista de gastronomia e vinhos, um dos fundadores da confraria Os Companheiros da Boa Mesa, em funcionamento desde 1982, e um dos embaixadores do Turismo do Rio.