Acidente de trabalho em home office

Por: Soraya Lambert*

O teletrabalho, regulamentado pela Lei no. 13.467/17, outrora adotado pelas empresas em situações excepcionais, teve seu “boom” com a pandemia da Covid-19.

Nesse momento, onde tanto se fala em teletrabalho e home office, resta importante estabelecer a diferenciação entre as duas modalidades de trabalho. No caso do teletrabalho, a prestação de serviços deve ser expressa no contrato de trabalho e se dá preponderantemente fora das dependências da empresa com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação. O home office, por sua vez, se consubstancia em modalidade de trabalho executada na residência do empregado, de forma eventual e não prescinde de formalização no contrato de trabalho.

É importante destacar que, hoje, o trabalho na residência do empregado, seja na modalidade de home office ou teletrabalho, abrange cerca de 90% dos empregados com contrato de trabalho ativo.

Em que pese a mudança no local da prestação de serviços, da sede da empresa para o domicílio do empregado, os direitos e deveres inerentes ao pacto laboral permanecem inalterados. Assim, subsiste o exercício do poder diretivo do empregador em todas as suas formas, bem como a responsabilidade da empresa pela manutenção de ambiente de trabalho seguro.

E nesses tempos de pandemia, onde grande parte dos empregados se ativa em sua própria casa, fora das dependências da empresa, questão recorrente diz respeito ao acidente de trabalho.

O artigo 19, da Lei no. 8.213/91, não deixa margem de dúvida que o acidente de trabalho ocorre quando o empregado se encontra a serviço da empresa, o que abrange a prestação de serviços no domicílio do empregado.

Mas todo e qualquer infortúnio sofrido pelo empregado no âmbito residencial poderia ser caracterizado como acidente de trabalho?

Essa é uma questão que deve ser analisada com bastante cuidado. O empregado pode escorregar e cair no trajeto da cozinha até o escritório, onde se encontra sua estação de trabalho, dentro da jornada contratual, restando evidenciado um acidente de trabalho. O fato de o empregado queimar a mão com água quente na cozinha, ao fazer um café, todavia, caso não se trate de empregado doméstico, não caracteriza acidente de trabalho.

Dessa forma, há algumas questões importantes a serem analisadas.

Inicialmente, há de se ressaltar que o acidente de trabalho, em home office, só pode ocorrer dentro da jornada de trabalho e a jornada de trabalho deve ser expressamente delimitada. Assim, se o empregado trabalha das 08h00 às 17h00 e não presta serviço extraordinário, eventual infortúnio ocorrido às 20h00 não pode ser definido como acidente de trabalho, vez que está fora do período da jornada de trabalho.

Destaque-se, ainda, que, caso o empregado esteja, em sua residência, desenvolvendo atividades alheias ao contrato de trabalho e sofre infortúnio, também não é possível caracterizar o evento como acidente de trabalho. Assim, se o empregado, ao preparar na cozinha de sua residência, refeições para consumo próprio, queima a mão em panela quente, não sofreu acidente de trabalho, de molde a fazer jus a auxílio-doença-acidentário, bem como estabilidade no emprego prevista na Lei no. 8.213/91.

É importante salientar, todavia, que a empresa tem o dever de instruir seus empregados que desenvolvem o trabalho fora das dependências da empresa, de forma expressa, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho, nos termos do artigo 75, “e”, da CLT. Para tanto, pode se valer de manuais, palestras, filmes, tudo o que possa trazer efetiva orientação ao empregado, com vistas à prevenção. O Parágrafo Único do referido dispositivo legal, esclarece que o empregado, por sua vez, após devidamente orientado pelo empregador, deve assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador.

Cabe à empresa, ainda, velar por um ambiente de trabalho seguro, com vistas a que as estações de trabalho em home office observem as disposições de ergonomia, de acordo com o disposto na NR-17, da Portaria no. 3.214/78, do Ministério do Trabalho.

Caso o empregado, em home office, por exemplo, seja acometido por LER (lesão por esforço repetitivo), doença profissional que guarda nexo de causalidade com a prestação de serviços, em razão da inobservância de intervalos para o trabalho de digitador e em decorrência da não utilização de mobiliário ergonômico, patente a responsabilidade da empresa pelo pagamento de indenização por danos morais e também materiais, caso reste reduzida sua capacidade laboral.

Frise-se que se o empregado sofrer acidente de trabalho em home office, a empresa deve emitir a CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) e, caso o afastamento seja superior a 15 (quinze) dias, o empregado fará jus à percepção do benefício do INSS, auxílio-doença-acidentário, bem como à estabilidade no emprego prevista no artigo 118, da Lei no. 8.213/91.

É importante ressaltar que, tanto no trabalho realizado nas dependências da empresa, quanto em home office, a palavra de toque, quando se fala em acidente de trabalho é a prevenção. A empresa é responsável por trazer orientação efetiva ao empregador, com vistas ao trabalho seguro, sem prejuízo da atenção às normas de ergonomia e fornecimento de equipamento adequado. Ao empregado, por sua vez, cabe seguir as orientações dadas pela empresa em treinamento, com bastante atenção.

Não se pode olvidar, outrossim, que a responsabilidade pelo acidente de trabalho, em regra, é subjetiva e, por consequência, deve ser evidenciada a culpa da empresa, com vistas à atribuição de responsabilidade à mesma ou a culpa exclusiva do empregado, de molde a afastar da empresa essa mesma responsabilidade

Soraya Galassi Lambert é Juíza Titular da 14ª Vara do Trabalho do Fórum da Zona Sul e Convocada no TRT da 2ª Região desde 2010