Endogamia musical

Por Ruy Castro*

O repórter de um site, blog ou canal on-line – ainda me atrapalho com essas definições – procurou-me para me perguntar sobre o atual processo de fusão na música. Parece que, hoje, os gêneros musicais não param de se penetrar e interpenetrar, gerando híbridos que, como as amebas, se subdividem, fecundam-se e se fundem entre si, provocando grande confusão. Eles estariam se tornando indistinguíveis uns dos outros, e o que eu achava disso?

Apanhado de surpresa – confesso que, premido por outras disciplinas, não tenho pensado muito no assunto –, pedi-lhe que me mandasse uma lista dos ditos gêneros em fusão. Em minutos, ela chegou: “Rock, pop, R&B, rap, ska, urban, country, punk, cyberpunk, vapor pop, neo synthpop, indie, boy band, eletronic trap, chill groove, anime rock, electro jazz, minecraft, speedrun, pixie, scratch e drill”. Perguntei-lhe pelo samba, o choro, a bossa nova, o baião, o xaxado, o frevo, o maracatu e mesmo o funk e o sertanejo, ausentes da lista, e ele me respondeu que o Brasil teria uma lista à parte. Aquela se referia só aos gêneros internacionais.

Ah, bom. Os internacionais! De fato, desde o começo do século 20 a música internacional foi assim – uma tempestade de ritmos, digo, gêneros. Alguns deles eram o fox-trot, o swing, o blues, o jazz, o tango, o bolero, a rumba, o mambo, a salsa, o merengue, a cumbia, a conga, o calipso, o beguine, o chá-chá-chá, o fado, as chansons, a tarantela, a valsa e muitos, muitos mais. Cada qual de um país e em sua língua.

Em discos, eles corriam o mundo, fazendo do planeta um grande salão de baile. Mas, por mais que se misturassem, conservavam uma identidade que os tornava únicos, inconfundíveis – talvez por nascerem de tantas culturas.
Hoje vêm todos do mesmo lugar, da mesma cultura e na mesma língua. Mas isso não vai durar muito. A endogamia, mesmo em música, gera o tédio e conduz à extinção