Dilemas da saúde brasileira

Por Josier Marques Vilar*

Estamos vivendo um incrível período de forte influência dos bytes, dos átomos e dos genes no controle de nossas vidas.

Diz um ditado africano que “todos os dias de manhã, na África, o antílope desperta. Ele sabe que terá de correr mais rápido que o mais RÁPIDO dos leões, para não ser morto. Todos os dias, pela manhã, na África, desperta o leão. Ele sabe que terá de correr mais rápido que o antílope mais LENTO, para não morrer de fome”.

O mundo e em especial a medicina, tem sofrido modificações numa velocidade jamais prevista pelos mais ousados sábios da era pós-moderna.

Os algoritmos e a inteligência artificial nos conduzem a lugares e espaços que jamais imaginamos. Ainda assim, permanecem muitas resistências às necessárias mudanças em nosso modelo de governança e de gestão na saúde. O grande risco - para todos os que resistem a aceitar que o mundo digital, a nanopartícula, o mapeamento genético e a inteligência artificial com os seus algoritmos chegaram para ficar -  é que se transformem no antílope mais lento, e tenham o fim absolutamente previsível.

Assim, podemos prever que o modelo atual de governança e gestão da saúde, não será sustentável do ponto de vista econômico, social, ambiental e moral por muito mais tempo.

Precisamos agir rapidamente, e o primeiro passo deveria ser a criação de um sistema unificado de saúde que contemple o público e o privado como complementares e colaborativos, e assim garantir o compartilhamento seguro das informações médicas. A partir deste primeiro e gigante passo, que evitaria desperdícios e redundâncias de gastos, poderemos estar assegurando o acesso universal e a integralidade do cuidado à toda população brasileira, utilizando para isso as modernas tecnologias de investigação diagnóstica e de orientação terapêutica para todos que delas necessitarem.

É a implantação da economia colaborativa entre o público e privado, com ganho para todos.

Além disso, é fundamental que as universidades brasileiras comecem a formar de imediato profissionais de saúde preparados para a gestão de uma nova realidade sanitária, com a provável chegada de novas epidemias com seus imensos desafios, com o olhar da segurança operacional com qualidade assistencial e custo controlado, e que sejam capacitados do ponto de vista comportamental para o exercício pleno de suas atividades.

O governo e as instituições privadas prestadoras de serviços de saúde também terão de investir fortemente no treinamento e na capacitação dos milhares de profissionais já em atividade no país, permitindo a eles que se adequem às demandas da atualidade, e assim reduzindo os desperdícios de vidas, de recursos financeiros e de autoestima, que hoje verificamos em boa parte dos nossos profissionais.

É também responsabilidade da indústria de insumos e de medicamentos e de toda a cadeia produtiva do setor, fomentar a inovação que possa garantir de forma equânime e moralmente aceitável o acesso de todos os brasileiros aos serviços médicos, hospitalares e de saúde que necessitam.

Não podemos mais aceitar que tenhamos na saúde brasileira cidadãos com limitação de acesso à saúde que precisam.

Entretanto, para que o setor avance, é necessário que a sociedade brasileira possa perceber, com toda a clareza, como ficou demonstrado durante a epidemia de Covid19 que estamos vivemos, que um bom sistema de saúde é fundamental para garantir a segurança de toda a população, e que investimentos humanos e financeiros compatíveis com essa expectativa necessitam ser adequadamente feitos.

Precisamos exigir dos governos políticas públicas que garantam o desenvolvimento da pesquisa e da ciência, a redução de nossa dependência de insumos médicos e farmacêuticos a países estrangeiros, a qualificação profissional, o acesso aos serviços de saúde e a integralidade de cuidados, como um fundamental compromisso social do Estado brasileiro.

Isso foi tudo o que não vimos durante essa trágica pandemia de Covid19 que estamos vivendo, onde inexistiram planos e estratégias de abrangência nacional e coordenação integrada entre todas as esferas.

Aprender com os erros que cometemos agora e no passado, e construir um modelo de gestão integral da saúde, do nascimento até a morte, será o grande desafio para a década que iniciamos.

Não podemos perder mais uma oportunidade de aprendizado que a natureza nos concedeu e a ciência respondeu com brilhantismo na identificação do vírus e desenvolvimento de vacinas nesta tragédia sanitária que estamos vivendo.

Para que avancemos mais, teremos de utilizar a tecnologia, a ciência e a inovação a favor das pessoas. Desenvolver bases de dados confiáveis, seguras, obedecendo a nova lei geral da proteção de dados, com coleta, análise, compartilhamento e execução do ato médico de forma segura, moralmente aceitável e eticamente correta é tudo que a população brasileira espera de nós profissionais da saúde.

Ou inovamos, ou o modelo atual desaparecerá, levando consigo as mentes resistentes. Agora é a hora de mentes intrépidas e inovadoras.

*Médico e Presidente do Fórum Inovação Saúde. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.