Operação no Complexo do Alemão deixa ao menos 5 mortos; moradores carregam mais corpos

Por: Ana Luiza Albuquerque e Mariana Moreira

Operação da Polícia Militar e da Polícia Civil no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, nesta quinta-feira (21), resultou na morte de ao menos cinco pessoas, segundo o balanço oficial. Apenas a reportagem viu, porém, sete corpos sendo carregados por moradores em lonas e toalhas no final da manhã.

Oficialmente, a PM afirmou que um de seus agentes morreu em meio à ação. Moradores denunciaram que uma mulher dentro de um carro foi assassinada por um policial militar -sua morte foi confirmada pela UPA da região. A corporação diz que três homens foram encontrados mortos em meio aos confrontos.

O balanço, porém, ainda deve aumentar. A reportagem esteve na comunidade e viu moradores carregando corpos em uma força-tarefa com carros e kombis para unidades de saúde da região. Três estavam enrolados em toalhas e quatro em lonas de plástico.

Um dos corpos foi identificado por vizinhos como Neves, de 23 anos. Sua tia, que não quis se identificar, disse à reportagem que dois policiais entraram em sua casa, em uma região conhecida como Sabino, agindo com violência.

Ela estava acompanhada pela filha de três anos.
Segundo a polícia, foram apreendidos uma metralhadora .50 (capaz de derrubar helicóptero), quatro fuzis e duas pistolas. Na favela da Galinha, próximo ao Alemão, quatro homens em fuga foram alcançados e detidos, de acordo com a corporação.

A ação, que começou no início da manhã, conta com 400 policiais do Equipes do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) da Polícia Militar e da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais) da Polícia Civil. Também estão sendo utilizados dez blindados e quatro helicópteros.

Ouvidor Geral da Ouvidoria Externa da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Guilherme Pimentel afirma que recebeu relatos de muitos mortos e feridos que ainda estão na favela nesta tarde. Segundo ele, há 14 corpos na UPA da região. A informação não foi confirmada pelas polícias.

A operação, que começou no início da manhã, ainda não acabou, com tropas adentrando a comunidade.

"Temos informação de pessoas feridas dentro da favela, pedindo socorro. Neste momento estamos cobrando do Ministério Público que tome atitudes de controle da força policial para que haja estabilização [do terreno] e a gente possa entrar e checar as graves denúncias de violações de direitos humanos", diz.

Mais cedo, o órgão recebeu muitas denúncias sobre invasão de residências pela polícia e de helicópteros sendo utilizados como base para tiros. Ele afirma que moradores narraram intenso tiroteio e que eles estavam em pânico, inseguros dentro da própria casa.

Em nota, o Ministério Público do Rio de Janeiro afirmou que está acompanhando a operação policial para a "adoção das providências cabíveis". O órgão foi comunicado da operação pela Polícia Militar às 5h40.

Segundo decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), apenas operações excepcionais podem ocorrer no estado enquanto durar a pandemia. O MP-RJ disse que a análise do cumprimento da determinação ​será realizada posteriormente, com a remessa da comunicação ao promotor natural.

A Polícia Militar afirma que a operação foi necessária para coibir os criminosos da favela, que estão atuando em roubos a bancos, de veículos e de carga.

Segundo a corporação, as bases das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) Fazendinha e Nova Brasília foram atacadas por criminosos, que também derramaram óleo em via pública e atearam fogo em objetos.

A PM confirmou a morte do cabo Bruno de Paula Costa, 38, baleado enquanto estava trabalhando, em ataque à base da UPP Nova Brasília. Segundo a corporação, a morte foi uma retaliação à operação.

Costa foi socorrido ao Hospital Estadual Getúlio Vargas, mas não resistiu ao ferimento. Ele ingressou na polícia em 2014, era casado e deixa dois filhos com diagnóstico de transtorno do espectro autista.​

Moradores denunciaram que a Polícia Militar matou Leticia Marinho, 50, uma mulher que mora no Recreio, zona oeste da cidade, mas que estava no Alemão visitando a tia do namorado, identificado como Denilson.

Ele afirmou ao Voz das Comunidades, mídia local, que saíram da casa da tia de carro e pararam no sinal, com os vidros abertos, ao lado de um veículo da polícia. Segundo Denilson, não havia confronto no local naquele momento.

Ainda assim, segundo ele, a polícia atirou contra o seu carro. "Nem percebi que ela tinha sido alvejada. Quando olhei, ela já estava caindo para o meu lado", disse.

Leticia foi atingida na avenida Itaoca, que fica na Grota, umas das entradas que dá acesso ao Alemão.

Segundo Denilson, os agentes não explicaram por qual motivo efetuaram os disparos. A vítima deixa três filhos.

A UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do Alemão informou que a paciente deu entrada na unidade, mas que morreu pouco tempo depois.
A investigação da morte está a cargo da Polícia Civil. Entidades de defesa dos direitos humanos frequentemente criticam o fato de a polícia investigar a própria polícia.

Interligados a essa operação, policiais militares do 3ºBPM (Méier), do 41ºBPM (Irajá) e de outros batalhões do 2º Comando de Policiamento de Área (zonas norte e oeste do Rio de Janeiro) também estão atuando nas comunidades Juramento e Juramentinho.

Em nota, a Polícia Militar afirmou que informações dos setores de inteligência indicaram a presença de criminosos do Complexo do Alemão praticando roubos de veículos, principalmente nas áreas dos bairros do Grande Méier, Irajá e Pavuna.
Segundo a polícia, o grupo vem realizando roubos a bancos e roubos de carga, além de planejar tentativas de invasão a outras comunidades.

Entre os roubos de carga, de acordo com a corporação, constam roubos de óleo diesel para derramar em ladeiras durante operações policiais, com o objetivo de dificultar o avanço das equipes.

Em entrevista ao Bom Dia Rio, da TV Globo, o major Ivan Blaz afirmou que a operação é necessária para coibir a ação do crime na comunidade, inclusive em outros pontos do estado. Ele também disse que criminosos de outros estados estão sendo abrigados no Alemão.

Blaz afirmou que os confrontos foram muito intensos pela manhã e que as tropas estavam encontrando dificuldade para avançar. Segundo ele, o ataque à base da UPP foi "muito duro".
O major também disse que os criminosos colocaram muitas barricadas e trilhos de trem na região para impedir o avanço dos agentes.
Blaz reconheceu que o impacto na vida dos moradores do Complexo é muito grande, mas pede que eles evitem sair de suas casas.

Afirmou, ainda, que equipamentos públicos como escolas não irão funcionar na região enquanto durar a operação.​

A operação ocorre em meio à decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que restringiu as operações policiais para casos excepcionais no estado do Rio de Janeiro, enquanto durar a pandemia da Covid-19.

Em maio, operação policial na Vila Cruzeiro, a segunda mais letal no estado, resultou na morte de 23 pessoas. A favela é vizinha ao Alemão, alvo da ação desta quinta-feira.

A operação mais letal ocorreu em maio de 2021, na favela do Jacarezinho. Foram mortas 28 pessoas, sendo um policial civil.

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro e a Ordem dos Advogados do Brasil no estado pedem que o governo do estado reduza em 70% as mortes por intervenção policial no prazo de um ano. As propostas foram encaminhadas ao Palácio Guanabara em junho.

Ao fim de maio, o ministro do STF Edson Fachin decretou que o Governo do Rio de Janeiro ouvisse, em um prazo de 30 dias, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil para concluir o plano de redução da letalidade policial no estado.