Um Tributo ao senhor da Imprensa do Rio

Morreu ontem (10), aos 100 anos, um dos jornalistas mais cariocas do país: Hélio Fernandes. Filho de Francisco Fernandes e de Maria Fernandes, Hélio era irmão do famoso humorista, jornalista, escritor e teatrólogo Millôr Fernandes.

Desde cedo órfão de pai e carente de recursos, começou a trabalhar em uma carpintaria antes de concluir o curso primário no Colégio Enes de Sousa. Aos dez anos, ficou órfão de mãe e passou a viver sem residência fixa, amparado por tias. Em 1936, começou a trabalhar em uma fábrica de móveis situada no Catete e ingressou no Colégio Pedro II. Após frequentar dois anos do curso secundário, interrompeu definitivamente os estudos em 1938 para trabalhar como auxiliar de um despachante, que pouco depois foi preso. Sobreviveu realizando pequenos trabalhos até 1942, quando começou a fazer o serviço militar.

Em dezembro de 1945, através de seu irmão, começou a trabalhar na revista O Cruzeiro, encarregado de recolher os artigos assinados. A partir de fevereiro de 1946, fez a cobertura da Assembléia Nacional Constituinte e entre outros jornalistas conheceu Carlos Lacerda, de quem se tornou amigo. Em julho foi promovido a assistente do diretor e, ao completar um ano de trabalho, tornou-se diretor de redação de O Cruzeiro.

Em agosto de 1948, escreveu e publicou os artigos “A revolta dos anjos” e “Anistia para os aspirantes”, em que defendia a greve dos alunos da Escola Naval do Rio de Janeiro, contrariando as diretrizes de Francisco de Assis Chateaubriand, proprietário da revista. Obrigado a suspender esse apoio, deixou o emprego e fez uma viagem pela Europa.

De regresso ao Rio, em 1949, a convite de Horácio de Carvalho Júnior, dono do Diário Carioca, começou a trabalhar no jornal. Preparava uma revista de esportes intitulada Xute, quando este o convidou a chefiar a seção de esportes do Diário. A aproximação da Copa do Mundo de 1950, que seria disputada no Brasil, criou condições para que adotasse uma política de renovação do noticiário, com a contratação de cronistas como Millôr Fernandes, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos.

Em 1951, em virtude da crise financeira do Diário Carioca, deixou o jornal. Assumiu no ano seguinte a direção da recém-criada revista Manchete, que atravessava grandes dificuldades. Permaneceu por 22 meses, após se demitiu em virtude de divergências com os proprietários.
Em novembro de 1953, foi convidado para ser editor da Tribuna da Imprensa, jornal de Carlos Lacerda. Devido a divergências, pediu demissão em abril de 1954, passando a fazer reportagens para a Revista da Semana, de Gratuliano de Brito. Em outubro desse ano, foi convidado pelo presidente da República, João Café Filho, para dirigir a Rádio Mauá, vinculada ao Ministério do Trabalho, onde criou o Noticioso Mauá, levado ao ar de hora em hora. No início de 1955, assumiu a direção da assessoria de imprensa da campanha eleitoral de Juscelino Kubitschek.

Depois da posse de JK, foi convidado para dirigir o jornal A Noite, de propriedade do governo. Devido ao seu temperamento difícil e às suas repetidas divergências com as direções das empresas em que trabalhava, passou a encontrar dificuldades para empregar-se. Em 1957 transferiu-se para São Paulo, onde concebeu a revista Casa e Jardim.

Regressou ao Rio no ano seguinte e foi convidado por Joel Silveira para trabalhar na revista Mundo Ilustrado, de propriedade de João Dantas. Começou a redigir uma coluna intitulada “Em primeira mão” que, pouco depois, passou a ser publicada no Diário de Notícias.

Em 1962, Hélio assumiu o ativo e o passivo da Tribuna da Imprensa. À frente do jornal, passou a mover violenta campanha contra o governo Goulart, por não acreditar na seriedade de seus projetos.
Apoiou o movimento cívico-militar de 31 de março de 1964,. Entretanto, logo depois, escreveu um “violentíssimo artigo contra Castelo e os golpistas”. Divergiu da orientação do governo depois da edição do Ato Institucional nº 1, que permitiu punições extralegais de adversários do regime e transferiu para o Executivo importantes atribuições do Legislativo.

Com o início do governo Costa e Silva e a entrada em vigor da nova Constituição, considerou restaurado o estado de direito e publicou na Tribuna da Imprensa o artigo “A catástrofe que termina e a esperança que renasce”, que resultou na sua prisão durante três dias.

No dia seguinte ao acidente aéreo que vitimou Castelo Branco, escreveu um editorial em que afirmava: “Com a morte de Castelo Branco, a humanidade perdeu pouca coisa, ou melhor, não perdeu coisa alguma. Como ex-presidente, desapareceu um homem frio, impiedoso, vingativo, implacável, desumano, calculista, ressentido, cruel, frustrado, sem grandeza, sem nobreza, seco por dentro e por fora, com um coração que era um verdadeiro deserto do Saara.”

Em consequência, permaneceu 30 dias preso na ilha de Fernando de Noronha e igual período em Piraçununga (SP). Libertado, continuou escrevendo artigos contra o governo Costa e Silva, e durante o ano de 1968 teve seu jornal submetido à censura de militares da ativa durante oito meses consecutivos.

Com a decretação do Ato Institucional nº 5, no dia 13 de dezembro de 1968, foi preso na redação da Tribuna da Imprensa e transportado para o Regimento Caetano de Faria, da Polícia Militar, onde permaneceu cerca de um mês.

Em 1981, a Tribuna da Imprensa sofreu um atentado a bomba que destruiu suas rotativas e provocou sérios danos em suas instalações. Em dezembro de 1984 a Justiça deu ganho de causa a Hélio Fernandes em ação de indenização movida por este contra a União por danos causados à saúde financeira da Tribuna pela censura e perseguição política movida contra o jornal pelos governos militares de 1968 a 1978.

Hélio dirigiu a Tribuna até 2008, ano em que o jornal deixou de circular. Nos últimos anos e mesmo longe das redações, Hélio não deixou o instinto jornalístico e continuou escrevendo em um blog e em um perfil nas redes sociais, por onde também mantinha o contato com os leitores.

Hélio era pai dos também jornalistas, Rodolfo Fernandes, ex-diretor de Redação do “Globo”, e Hélio Fernandes Filho, ambos mortos em 2011. Ele deixa outros três filhos, Isabela, Carolina e Bruno, e dois netos, Felipe e Letícia.