Risco de Covid sobe 6 meses após Coronavac, mesmo em jovens, mostra estudo

Por: Ana Bottallo

As duas doses da vacina Coronavac podem proteger contra hospitalização e óbito por Covid, mas passados seis meses da imunização o risco de contrair a doença aumenta consideravelmente em indivíduos mais jovens, com idade entre 18 e 39 anos. A chance de ter Covid sintomática é ainda maior entre os profissionais da área da saúde.

Em ambos os casos, o risco é quase três vezes maior para aqueles com idade de 18 a 39 anos, independentemente de serem trabalhadores da saúde ou não. Tal risco começa a surgir já a partir de três meses da vacinação primária com o imunizante, isto é, após o recebimento da segunda dose.|

Esses são os principais resultados de um estudo conduzido por pesquisadores da Fiocruz em parceria com diversas instituições de pesquisa nacionais e do exterior, como o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC/FMUSP), a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) e a Universidade da Flórida. O artigo no formato pré-print, isto é, ainda sem avaliação de pares, foi divulgado na última sexta (24) na plataforma medRxiv.

A pesquisa analisou 37.929 dados pareados de pessoas vacinadas e que realizaram exame de RT-PCR no estado de São Paulo de 17 de janeiro (quando teve início a vacinação) a 30 de setembro. Para cada par, um indivíduo apresentou exame RT-PCR positivo até dez dias após o início dos sintomas e o outro era um exame negativo (controle).

Com os pares entre casos positivos e controles formados, os pesquisadores buscaram entender qual era a razão de risco (odds ratio, em inglês) de contrair Covid sintomática ao longo do tempo nas diferentes faixas etárias (18 a 39 anos, 40 a 64, 65 a 79 e 80 anos ou mais) e por risco de profissão (profissionais da área da saúde ou não).

O observado foi que, passados 40 dias após a segunda dose, o risco dos indivíduos com 18 a 39 anos ou dos trabalhadores da área da saúde aumentava com o tempo, e sobretudo após 182 dias. Inicialmente, o risco era de 1,45 para indivíduos mais jovens, passando para 3,87 de cinco a seis meses após a segunda dose (aumento de 2,7 vezes).

No caso dos profissionais da área da saúde, em grande maioria formados por pessoas com idade abaixo de 65 anos, o risco de contrair a doença pelos trabalhadores mais velhos já era reduzido e, portanto, não foi significativo. Nas outras faixas etárias, o risco passou de 1,49, em trabalhadores com idade entre 18 a 39 anos, para 4,48 seis meses após a segunda dose (ou 3 vezes mais); e de 1,26, no caso daqueles com 40 a 64 anos, para 3,53 após seis meses da segunda dose (2,8 vezes maior).

Para o pesquisador da Fiocruz Julio Croda, que coordenou o estudo, a pesquisa indica que mesmo os jovens que não são trabalhadores da área da saúde possuem um risco elevado de adoecimento da Covid com o passar do tempo. Há duas hipóteses levantadas para isto, explica o médico. A primeira seria de maior exposição desse grupo a eventos que causem aglomeração, como festas em bares e casas noturnas. Quanto maior exposição, maior o risco de contrair a doença, mesmo em indivíduos vacinados.

"A segunda hipótese para esse risco aumentado nos adultos pode ser porque a efetividade da Coronavac, e não só dela, como mostramos no nosso primeiro estudo, mas de todas as vacinas, é menor conforme aumenta a idade. Portanto, nos idosos, por já possuírem uma proteção menor oferecida pelas vacinas, o risco observado de contraírem a doença em relação ao tempo não vai mudar tanto assim, diferente dos indivíduos mais jovens onde esse aumento é mais acentuado", explica.

O estudo é o primeiro a dar embasamento científico para a necessidade de uma dose de reforço da vacina para todos os indivíduos com mais de 18 anos que tomaram as duas doses da Coronavac. Recentemente, a OMS recomendou uma dose extra em todos os indivíduos com mais de 60 anos que receberam o imunizante.

"A força de infecção, como nós chamamos, está condicionada à menor efetividade das vacinas para doença sintomática, observada em diversos estudos inclusive nos ensaios clínicos [onde a Coronavac teve eficácia de 50,38%], então no contexto de uma nova variante como a ômicron, se torna ainda mais necessária a dose de reforço", afirma.

Em termos de efetividade da vacina, Croda explica que não foi possível calcular o nível de proteção do imunizante nos diferentes grupos com o passar do tempo porque para isso seria necessário incluir indivíduos não vacinados.

"Para calcular a proteção, seria necessário ter pessoas vacinadas com as duas doses que não são nem idosas, nem imunossuprimidas ou trabalhadores da saúde, após seis meses da segunda dose. Só que no Brasil a campanha de vacinação com a dose de reforço já começou, primeiro nesses grupos de maior risco, mas agora também para toda a população", diz.

Apesar de ter limitações, como não ter conseguido avaliar quais as variantes que causaram as infecções durante o período observado, o estudo é importante por fornecer dados de como a Coronavac impede a hospitalização e óbito ao longo do tempo, mas não a infecção sintomática.

Os novos dados com mais de 39 mil pacientes indicam uma necessidade de aplicar uma terceira dose do imunizante ou de qualquer outro passados quatro meses da vacinação primária para diminuir essa propagação da doença, afirma o pesquisador.

"A Coronavac é a vacina mais utilizada no mundo, com mais de 2 bilhões de doses aplicadas. E apesar de no Brasil a antecipação da dose de reforço [de 5 para 4 meses] já ter sido implementada como política pública mesmo sem ter evidências suficientes à época, outros países ainda não adotaram essa medida, então é um dado que pode servir como embasamento para esta ação nestes locais", diz.