Cinema | Máquinas também amam

Por Rodrigo Fonseca
Especial para o Correio da Manhã

Promessa de sucesso na Europa assim que a pandemia acabar e a vida no circuito exibidor se regularizar, “I’m Your Man” (“Ich bin dein Mensch”), da atriz e cineasta alemã Maria Schrader, causou furor na competição pelo Urso de Ouro da Berlinale 2021, durante a semana, com uma reinvenção dos códigos da comédia romântica, num casamento com a sci-fi, ao discutir o ideal de perfeição. Sua proposta: e se no futuro, em vez de apelar pro Tinder, solitárias/os optassem por robôs. Essa é a premissa escrita pela diretora e pelo roteirista Jan Schomburg a partir de um conto de Emma Braslavsky.

O assunto está em voga graças à popularidade da série Disney+ “WandaVision”. Mas o universo de Maria (responsável pela minissérie “Nada Ortodoxa”) nada tem em comum com os super-heróis de Os Vingadores. Seu androide, Tom (vivido pelo inglês Dan Stevens, o Matthew Crawley de “Downton Abbey”), é um Casanova às avessas: um sujeito subserviente, devoto à sua “dona”, carente por aprender como é amar poder acima de toda e qualquer ferida narcísica. A prerrogativa de sua programação pode soar atraente pra muita gente, mas não é, necessariamente, o que sua paquera, Alma (Maren Eggert), deseja. Mareen ganhou nesta sexta o Urso de Prata por sua inteoretação no filme.
“Um experimento como esse, de transformar um ator como Dan numa máquina, é tipo uma dança em que você ensaia um passo de cada vez e, a cada ensaio, descobre uma combinação de movimentos diferente, numa coreografia viva. Basta ver a cena em que ele esboça alegria diante de um café da manhã. Um personagem humano falar que anseia por tomar café tem um sentido. Mas um robô que expressa esse mesmo desejo tem um outro efeito, que é o de expor questões universais das condições humanas, como o pertencimento”, disse Maria ao Correio da Manhã em entrevista via Zoom. “Nosso robô é alguém que é pura atenção para a mulher que ele é programado para fazer feliz”.

BRICANDO COM UM MITO

Ganhadora do prêmio de melhor atriz na Berlinale de 1999 (empatada com Juliane Köhler) por “Aimée & Jaguar” (1999), Maria brinca com o mito de Frankenstein em “I’m Your Man” na figura de Tom, criado por Stevens. Na trama, a cientista Alma é obrigada a levar Tom pra casa e passar quase um mês ao lado dele, para construir o que seria um romance. Logo ela, que não tem interesse algum em se abrir para a paixão.
“Tentamos criar uma cena constrangedora já no início do filme, que são os encontros às escuras entre pessoas que não se conhecem e se encontram à primeira vez para uma paquera. São situações em que ninguém sabe bem o que fala. Os diálogos são sempre estranhos. É aí que Tom é inserido”, diz Maria, lembrando que a trama reflete uma condição “robótica” dos novos tempos. “Hoje a tecnologia faz parecer que a vida é gerida por algoritmos. Mas não existe uma equação a partir da qual a gente possa lidar com o outro. E é isso que Tom simboliza: mesmo dando a Alma todos os cuidados, fazendo ela se sentir especial, ele não tem a medida do que ela realmente precisa. Isso só se aprende vivendo a dois. E não é esse o caso do filme, que não quer ser uma comédia romântica padrão e, sim, um estudo sobre a solidão”.

Maria conta que, apesar de um leve atraso durante as filmagens quando alguns integrantes da equipe testaram positivo para a covid-19, o coronavírus não travou o processo de construção de “I’m Your Man”. E todos os cuidados com a saúde da equipe foram tomados. “Como Los Angeles ficou parada durante um bom tempo, durante a pandemia, a agenda de Dan não foi bloqueada e ele pode trabalhar com a gente tanto quanto precisamos. Sinto que o grande legado desta pandemia foi a percepção de como seremos capazes de nos conectar”, diz a diretora. “Conexão é um dos pontos centrais desse filme. Eu venho do teatro clássico e fui formada vendo Fassbinder, vendo ‘Paris, Texas’. O que eu tentei trazer para a história de Alma e Tom foi a dimensão humanista agigantada desses longas que me formaram para refletir sobre a incapacidade de programarmos o nosso querer”.