Cinema | Coroa para Wesley Snipes

Por Rodrigo Fonseca
Especial para o Correio da Manhã

Embora a realeza de “Um Príncipe em Nova York 2” (“Coming 2 America”) caiba a Eddie Murphy, quem rouba a coroa da excelência no mais badalado lançamento da Amazon Prime em 2021 (até agora) é Wesley Trent Snipes, no papel do general Izzi. Sua atuação vem atraindo elogios pelo farto repertório gestual com que ele compõe um ditador desesperado por apontar seus fuzis para Zamunda, a nação africana imaginária de Akeem, o nobre vivido por Murphy.

É dancinha daqui, é ginga acolá, é requebro dali: Snipes é puro balé em cena, na continuação do fenômeno de bilheteria de 1988. Parte dessa expressão corporal vem de sua experiência com capoeira e parte vem de sua vasta quilometragem no caratê, aproveitada em clássicos da ação como “Passageiro 57”, que, em 1992, foi um dos títulos mais alugados em VHS nas locadoras dos EUA, amealhando uma fortuna em locação de fitas.

“A perseverança dos personagens talhados em virtudes físicas jamais pode obliterar nosso empenho em recheá-los de camadas, de angústias, de dúvidas. Eu encarno pessoas, não arquétipos”, disse o ator em uma entrevista em 2010, ao lançar “Atraídos Pelo Crime”, pouco antes de ser processado e de ser impedido de sair dos EUA sob a acusação de sonegar imposto de renda ao Leão americano.

Este não levou muito em consideração a vasta dívida que a indústria do entretenimento tem com o astro, nascido em Orlando, na Flórida, há 58 anos. Jamais teria havido o império Marvel nas telas se Snipes não tivesse batido o pé e insistido em produzir, com o apoio da New Line, uma versão para as telas de um coadjuvante das HQs do Justiceiro, o vampiro caçador de criaturas das Trevas Blade. Era 1998 e ele vinha da frustrada experiência de tentar adaptar o Pantera Negra para o cinema, coisa que só veio a ser feita em 2018, pelo diretor Ryan Coogler, com Chadwick Boseman no papel do senhor de Wakanda.

Snipes tentou muito levar as HQs do vigilante da África para as telas, sem conseguir convencer a alta cúpula marvete de que conseguiria meios para isso. Naquele momento, a editora por trás do Homem de Ferro e do Capitão América não tinha muito espaço no audiovisual, fora os desenhos animados dos X-Men (hoje em cartaz na Disney +) e algumas séries animadas do Homem-Aranha. Mas, graças ao carisma de Snipes, “Blade” virou um estrondo de bilheteria.
Aquela franquia deu a Snipes os holofotes da cultura pop num momento em que ele desfrutava já do prestígio após ter conquistado a Copa Volpi de Melhor Interpretação masculina em Veneza, em 1997, com “Por Uma Noite Apenas”.

Naquele período de consagração, ele foi escalado para dividir as telas com Tommy Lee Jones num derivado de “O Fugitivo” (1993): o frenético thriller “U.S. Marshals – Os Federais” (1998). Dirigida pelo montador Stuart Baird, aquela tensa produção mostrava o agente Samuel Gerard (papel que dera um Oscar a Lee Jones quatro anos antes) na caça a um motorista, Sheridan (Snipes) acusado de assassinato. Essa narrativa ajudou a fazer de Snipes um ícone heroico na década de 1990, sem ter emperrado seu prestígio como um intérprete capaz de rasantes dramáticos. À ocasião, ele já possuía em seu histórico o genial “Febre da Selva” (1991), de Spike Lee, e um personagem pipoca memorável: o vilão Simon Phoenix, de “O Demolidor”, no qual trocava tapas e tiros com Stallone.

O eterno Rambo deu a ele uma chance de voltar à ribalta em “Os Mercenários 3” (2014). Em 2019, Snipes brilhou na Netflix ao lado de Eddie Murphy em “Meu Nome É Dolemite”, que abriu caminho para sua entrada em “O Príncipe em Nova York 2”, em cuja versão brasileira, ele ganha a voz de Márcio Simões, em impecável dublagem.

“Snipes veio melhorando com o tempo. Quando comecei a dublar ele, dava pra ver que ele era meio travado. Soltou-se em ‘Para Wong Foo, obrigada por tudo! Julie Newmar’, mas ainda se travava aqui e ali”, avalia Simões, que dubla o ator desde os anos 1990. “Agora, com Eddie, dublado pelo Mario Jorge, ele tá solto, ele tá engraçado, ele se entrega à comédia”.