Crítica 'Encanto' | Novo acerto da Disney traz ritmo latino e importância da família para os cinemas

Por: Nathalia Bottino

Já está mais do que claro que tudo o que sai da cabeça e das mãos brilhantes de Lin-Manuel Miranda (Tick Tick Boom) vira um sucesso. E a mais nova animação da Walt Disney Animation Studios, Encanto, não é diferente. Nos últimos anos, o estúdio teve seus altos e baixos, mas seu 60º filme aproveita o embalo da volta aos cinemas e também a abordagem de novas culturas, entregando um longa sobre relações familiares, que não só homenageia a cultura latina, como também transcende com uma universalidade que se aplica a famílias de qualquer cultura.  

Mirando um público mais infantil, a animação, da mesma equipe criativa de Moana: Um Mar de Aventuras e Zootopia – Essa Cidade é o Bicho, explora em uma narrativa divertida a riquíssima cultura colombiana, na qual a identidade e a diversidade são os pilares centrais. Ao mesmo tempo, também apresenta um musical com belíssimas composições, mérito do excelente Lin-Manuel Miranda. Todos esses elementos garantem que o título do filme é mais do que adequado. 

Encanto apresenta a história da família Madrigal, que vive nas montanhas da Colômbia em uma casa mágica grande e colorida, carinhosamente chamada de Casita, em um lugar fantástico e vibrante chamado Encanto. Após uma grande tragédia em sua família, os Madrigal foram abençoados por um milagre, no qual os filhos e netos da avó, Alma, possuem dons especiais para serem usados para ajudar a fortalecer e servir a vila. 

Todas as crianças Madrigal ganham um dom mágico quando completam 5 anos, como poder de cura, super força, controle do tempo, das flores e dos animais. Todos os membros exceto um, Mirabel, uma menina comum que quer se provar para a família, mesmo não tendo poderes. 

Um dia, ela descobre que a magia de Encanto está enfraquecendo e, buscando se provar, decide agir sozinha como a última esperança da família, partindo em uma missão para encontrar a raiz do problema e achar uma solução. 

Assim como em Soul, uma história sobre escolhas da vida, e em Raya, que apresenta a união de diversos povos em prol de um bem comum, é de costume as animações da Disney possuírem uma trama que parece superficial, mas que acabam se aprofundando em temas sensíveis, inclusive para os adultos. E em Encanto, o tema presente é relações familiares e o quanto será que realmente conhecemos as pessoas próximas a nós. 

Um grande acerto da narrativa é focar nas relações da família Madrigal e nas características de cada um. A força dessa história, assim como de Viva: A Vida é uma Festa, vem da ideia de família. Uma das coisas mais interessantes é que o filme não tem um vilão tangível, pois concentra-se, em sua essência, nas pressões de viver de acordo com expectativas irreais e ideais familiares. A história tem enfoque não só na magia da casa, mas também como cada um é afetado perante ela. E apesar de Mirabel ser a grande protagonista, seus irmãos, pais e tios possuem um bom destaque. Todos têm personalidade, carisma e tempo de tela significativo.   

Ao ser uma pessoa sem um dom mágico dentro dessa família considerada perfeita, Mirabel se sente deslocada e menos importante. Essa atitude a faz acreditar que a vida de seus irmãos e primos são perfeitas. Dessa forma, ela acaba não enxergando que cada um deles passa por suas próprias batalhas e sofre pressões externas. 

Por exemplo, Luisa tem o poder de super força, mas também tem vulnerabilidade e uma feminilidade que precisa “esconder”, pois toda a sua família e toda a vila se apoiam nela. E Isabela possui o título de perfeita da família, portanto não pode cometer deslizes e deve cumprir as expectativas dos outros. Portanto, Mirabel percebe que a magia também abala seus familiares, mas de formas diferentes. 

E para criar essa história original com toda a criatividade por trás da narrativa mágica de Encanto, os diretoresJared Bush, Byron Howard, que também dirigiram Zootopia, se juntaram a Charise Castro SmithJason Hand Nancy Kruse, além também de Miranda. Juntos, eles trouxeram tanto a originalidade por trás da casa mágica, quanto as histórias pessoais, divertidas e surpreendentes de alguns desses personagens.  

O roteiro, escrito por Howard, Bush e Castro Smith, mostra que os Madrigais são uma família como outra qualquer, com conflitos, pressões sociais, é claro, com expectativas para como eles devem viver. Mas nenhuma família é perfeita, tenha ou não poderes. E a forma tocante que o filme aborda esse tema, bem como o tema de aceitação do que você é, com certeza traz identificação para todos. 

Além da ótima temática, Encanto apresenta personagens carismáticos e um mundo repleto de cor. Mirabel é incrivelmente simpática e divertida, dublada originalmente pela estrela de Brooklyn 99, Stephanie Beatriz. Já as irmãs Isabela e Luisa, são dubladas por Diane Guerrero (Patrulha do Destino), e Jessica Darrow (Festa dos Sete Peixes). 

Mas, de longe, um dos personagens mais cativantes do filme é o Tio Bruno, dublado por John Leguizamo (Era do Gelo). É um personagem complexo, com muito em comum com Mirabel, um coração surpreendentemente grande e que você gosta instantaneamente. Inclusive, fica aqui a dica que para ter uma experiência melhor do filme, da cultura latina e das músicas de Lin-Manuel Miranda, é recomendável ver no idioma original.  

É necessário ressaltar aqui a diversidade presente em Encanto, que é o segundo filme da Disney a ter um título originalmente estrangeiro, ficando atrás apenas de Alô, Amigos (Saludos, Amigos) e o quarto filme a explorar a cultura latino-americana, depois de Alô Amigos, Você já foi à Bahia? e A nova Onda do Imperador. 

Há de se parabenizar a Disney por ter dois lançamentos em um ano que celebram diferentes histórias de diferentes culturas, sendo mais proativa ao contar histórias que não estão apenas enraizadas na Europa Ocidental. Depois do triunfo em Raya e agora, em Encanto, podemos estar no início de uma nova era de clássicos da Disney.  

Nos últimos anos, o estúdio se afastou de narrativas estereotipadas de princesas para se concentrar em histórias e personagens que refletem melhor o mundo ao nosso redor. Hoje, temos Moana, Raya e agora Mirabel, que representam melhor um espelho da sociedade, sendo esta última, inclusive, a primeira protagonista da Disney que usa óculos.  

Além disso, uma das melhores coisas que Encanto faz é entregar uma família latina que encarna autenticamente essa experiência, sendo repleta de latinos de todos os tons de pele e de diferentes corpos.  

E falando em latinos, vale a pena ressaltar um fator fundamental da animação: as composições musicais do renomado Lin-Manuel Miranda, de Hamilton In The HeightsOs ritmos latinos são intensos e apaixonantes, com músicas que certamente serão abraçadas pelo grande público. As músicas aqui são um dos principais charmes, diferente de vários longas animados onde parte das músicas são facilmente descartáveis. As canções são criativas e bem executadas, fazendo do filme uma animação-musical bastante divertida.  

Cada música é cativante e memorável, mas a forma como ele mistura e entrelaça repetições de todas elas, uma característica comum de sua assinatura musical, mostra como Miranda comanda batidas e ritmos sendo realmente um mestre no que faz, como o compositor e escritor genial que é. 

Encantoé uma daquelas animações apaixonantes da Disney que trazem uma experiência deliciosa de se assistir. O combo personagens carismáticos de personalidades tão humanas e tão relacionáveis, com músicas cativantes e uma forte mensagem sobre autoconhecimento e empatia é a fórmula de sucesso para conquistar o público. Uma animação realmente encantadora do começo ao fim, trazendo uma história repleta de doçura e espontaneidade sobre a família.   

Nota: 8,5