Afluência social, esse é o nome do jogo

Afluência social, esse é o nome do jogo

Por: Vinicius Lummertz*

A função fundamental de um governo, bem resumida, é criar e sustentar condições para que a sociedade se desenvolva. Aproximando a definição da vida das pessoas, seria garantir aos cidadãos o acesso aos direitos sociais, artigo 6º da Constituição, e aos individuais.

A partir dessas premissas, caberia ao poder constituído estabelecer as normas legais para a sua consecução e os instrumentos que permitiriam ao cidadão se desenvolver de forma livre e independente. Em uma sociedade democrática e capitalista, as vertentes desaguariam na chamada afluência social: o cidadão, por meio do trabalho, progredir econômica e socialmente.

Independente do regime político, é possível identificar exemplos atuais e do passado recente. O “welfare state” europeu, o “american dream” de James Truslow Adams, ainda nos anos 30, e o socialismo de mercado ou capitalismo de estado, de acordo com a preferência de cada um, da China. Em comum, com mais ou menos evidências, está o princípio ativo da prosperidade, o acesso aos bens de consumo e culturais, a formação de uma classe média robusta.

Pouco antes da pandemia da covid-19, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) publicou estudo tratando da importância estratégica da classe média. O resumo: é fundamental para qualquer economia bem-sucedida e sociedade coesa.

O Brasil não está bem neste cenário. A classe média diminui com consequências cada vezes mais críticas: achatamento dos salários e empregos e o aumento em custos sensíveis, como habitação, saúde e educação.

Até 2019, em 27% dos lares de classe média os gastos eram maiores que as receitas (OCDE), a pandemia piorou a situação: concentrou os resultados do crescimento nas mãos dos mais ricos e empobreceu quem já tinha pouco.

Esta deficiência é estrutural. O Brasil não fez uma opção clara pelo mercado interno de consumo – como os EUA, países europeus e a China. Não fez porque isso exigiria as reformas que tão pouco foram feitas – algumas parcialmente iniciadas na gestão de Michel Temer.

A cultura do curto-prazismo circunscreve a desigualdade e o desenvolvimento social, assim, a um slogan de campanha eleitoral – como veremos na disputa presidencial que se aproxima. Isso impede que o Brasil decole. Sem políticas claras e perenes não há sequer a formação de um mercado de consumo.

Porém, se o Brasil cresceu, por que a situação de grande parte da população é quase desumana? Porque o desenvolvimento social depende mais da diminuição da desigualdade que do crescimento. Os bons resultados ficaram concentrados entre os mais favorecidos, legando pouco a quem mais precisa.

A criação de uma classe média forte funcionaria como um seguro, além de dar mais robustez para a economia nacional. Hoje o consumo interno responde por 60% do Produto Interno Bruno (PIB); nos EUA, 85%.

Sem consumo interno, o capital busca o exterior. Nas crises globalizadas ficamos sem opção: não temos mercado local, tampouco internacional.

A decisão pelo fortalecimento e crescimento da classe média deveria ser tomada até como preservação do estamento político. Como lembra a OCDE, “nações com uma classe média forte têm maior estabilidade”.

*Secretário de Turismo e Viagens do Estado de SP