Retomada das atividades presenciais: entre a necessidade e a possibilidade

Por Soraya Lambert*

No último dia 14 de setembro, o Desembargador Peterson Barroso Simão, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, visando à preservação da vida e saúde dos cariocas, bem como evitar o aumento da desigualdade perante a rede pública, suspendeu os efeitos do Decreto no. 47.686/2020, que autoriza a reabertura das escolas privadas.

Anteriormente, o Desembargador Carlos Henrique Chernicharo, do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região concedeu liminar para manter o retorno das atividades escolares no dia 14 de setembro.

Se a questão não encontra unanimidade dentro do Poder Judiciário, que dirá entre os pais de alunos.

Em que pese o esforço e dedicação dos professores, é fato que o ensino e o rendimento dos alunos caiu a olhos vistos quando as aulas passaram a ser telepresenciais. Enquanto nas salas de aula o professor tinha o absoluto controle sobre a atenção dos alunos quanto à matéria ensinada, nas aulas “on line”, muitas vezes, esse controle é absolutamente inviável se o aluno desliga a câmera. Há, ainda, pais estressados com crianças há quase sete meses em casa, ávidos por mandá-las de volta aos bancos escolares. Para esses pais, já passou da hora de as aulas serem retomadas presencialmente.

Em lado oposto, pais e educadores que veem com muita preocupação o retorno das aulas presenciais, vez que tanto os alunos, quanto o ambiente escolar ainda não estão preparados para o distanciamento necessário. Crianças e adolescentes, acostumados ao contato próximo, na maior parte das vezes assintomáticos, trazem risco de aumento substancial da contaminação da Covid-19, tanto para as famílias de alunos, quanto para professores e demais funcionários da escola e respectivos familiares. Assim, eventual benefício da retomada das atividades escolares não compensaria, considerando o alto risco de contaminação e efeitos danosos a toda comunidade escolar.

Questão que não pode ser esquecida é que muitos alunos que estudam em escola pública sequer têm condições de ingressar nas aulas “on line”, vez que não tem acesso à internet. No caso desses alunos, o retorno às aulas seria a única possibilidade de voltar a estudar. Pesquisas apontam, entretanto, que o índice de contaminação em escolas da rede pública que voltaram a funcionar é superior em 50% àquele encontrado nas escolas particulares.

A constatação do ano escolar perdido traz, efetivamente, sensação de impotência, impotência essa que é a regra quando pensamos em um vírus que atingiu diversos países e continentes com efeito imprevisível, como o coronavírus. Mas um ano perdido pode ser muito pouco quando se pensa na perda prematura de tantas vidas.

A retomada é necessária. Mas é imprescindível que seja possível. E a possibilidade está diretamente relacionada à segurança. E a segurança apenas virá com a queda da taxa de contaminação. As escolas, sejam elas particulares ou públicas, devem ter suas salas de aula adaptadas, com distanciamento efetivo entre as carteiras. A temperatura dos alunos deve ser medida na entrada do recinto. Displays de álcool gel em abundância, tapetes desinfectantes, túneis de desinfecção, uso obrigatório de máscaras. Além de todas as medidas de proteção, imprescindível o rodízio, de molde a permitir o ingresso diário de 30% dos alunos. E os pais que não se sentirem seguros antes da vacina poderão ter a opção de permanecer com as aulas “on-line”.

Se é certo que a vida não pode parar em razão da pandemia, mais certo é que deve ser feito o possível e o impossível para que vidas não sejam perdidas.

Além da questão inerente à reabertura das escolas, tema recorrente diz respeito à retomada das atividades do Poder Judiciário.

Há quase sete meses, a pandemia da Covid-19 tornou regra o isolamento social e o consequente fechamento dos fóruns e Tribunais. Juízes e servidores passaram a se ativar em home office.

As audiências passaram a ser realizadas na modalidade telepresencial, por meio da plataforma do CNJ, Cisco Webex.

Pesquisa do IBGE, de abril do corrente ano, entretanto, mostra que uma em cada quatro pessoas no Brasil não tem acesso à internet. Assim, cerca de 46 milhões de brasileiros não acessam a rede.

Certamente, muitos reclamantes não têm condições de participar das audiências na modalidade telepresencial. E muitos advogados, que têm como atividade principal a realização de audiências, estão passando por sérias dificuldades financeiras.

Cumpre frisar que o acesso à justiça é um direito fundamental garantido a todos os brasileiros e previsto no artigo 5º, da Constituição Federal vigente, em seu inciso XXXV.

Assim, visando possibilitar o acesso integral à Justiça, a retomada do trabalho presencial, ainda que de forma paulatina, é medida que se impõe.

Destaque-se que, nessa retomada, cada Tribunal Regional do Trabalho deverá observar as peculiaridades de cada região, mantendo em trabalho em home office funcionários e respectivos familiares que integram grupo de risco.

A retomada exige a observância de todos os protocolos de segurança, com a manutenção de displays de álcool gel, máscaras, divisórias de acrílico, distanciamento necessário, além do rodízio de Varas em funcionamento diário no fórum.

A Covid-19 ainda é um inimigo bastante poderoso, cujas ações sorrateiras já levaram quase 135.000 brasileiros. São muitas as batalhas que já foram perdidas. Mas o brasileiro, que não desiste nunca, pode vencer essa guerra, fazendo da retomada das atividades presenciais uma possibilidade efetivamente segura.

*Soraya Lambert é Juíza Titular da 14ª Vara do Trabalho do Fórum da Zona Sul de São Paulo e palestrante jurídica.