Raciocínio estreito

Por Nilson Mello*

Que o STF estabelece uma contradição em termos quando decide que obrigar não é forçar – mais um ativismo criativo do órgão de cúpula do nosso Judiciário – não tenho dúvidas. Por outro lado, é impossível não reconhecer que Bolsonaro sabota a vacinação quando ensaia exigir termo de responsabilidade de quem quer se imunizar. Joga contra si próprio e seu governo.

Nem chega a surpreender: ao longo desses dois anos o presidente demonstrou pouca inteligência para lidar com temas sensíveis, estimulando controvérsias desnecessárias, em particular com relação à pandemia de Covid-19. De onde se esperaria liderança em prol da união nacional para superar a crise viu-se aposta no conflito.

Na última semana, por exemplo, em retórica inflamada e descabida, incitou policiais contra jornalistas. É preciso ter um raciocínio muito estreito e um horizonte muito curto para achar que o país pode ganhar algo com esse embate.

Uma vez que não fala com repórteres, suas entrevistas (nos jardins do Palácio da Alvorada) são para um dos filhos 00. Como se o que diz a quem é seu familiar e, portanto, aliado possa ter algum valor para uma opinião pública minimamente informada e rigorosa.

Pior: em cada sentença, um ataque desnecessário. Por conta da postura voltada para o conflito, pode-se dizer que Bolsonaro é desses que atravessam a rua para pisar na casca de banana deixada na calçada oposta. Um fomentador de tensões. De qualquer forma, para sermos honestos, a nossa posição em relação a determinados princípios e questões não pode variar casuisticamente – razão da crítica ao STF. Se Bolsonaro é contra serei a favor, e vice-versa? Não pode ser assim.

A tentação é grande, mas, na verdade, é esse tipo de crítica automática, de impulso, que tem impedido o amadurecimento do debate político no Brasil. O efeito é a contraproducente polarização que se manifesta de ambos os lados e que já perdura alguns anos. Democracia é justamente o oposto: é busca do entendimento.

Em 2016, quem dizia que a eleição de Bolsonaro dali a dois anos seria ruim não pelos riscos em si de seu governo, mas sim pelo aprofundamento da radicalização, tinha em parte razão.

Em parte porque os erros nesta primeira metade do mandato já são suficientes para reprovar seu governo pelo que é, e não apenas pela divisão que provoca.

Portanto, agora, é preciso virar a página e voltar a construir uma democracia saudável, pautada pelo debate plural e civilizado.

*Jornalista e advogado