O futuro do trabalho (a revolução que se inicia)

Paulo Jobim Filho*

Pesquisas recentes junto a diversos atores do ambiente de negócios sinalizam que o futuro do trabalho, considerando as experiências vivenciadas até agora pelas empresas e por seus colaboradores diretos desde a eclosão da pandemia da Covid-19, será distribuído e híbrido. Um conceito que se imporá devido às limitações impostas pela necessidade do distanciamento social preconizado pelas autoridades da área da saúde.

Os ambientes corporativos internos foram conceitualmente reconfigurados, observando o maior espaçamento entre as estações de trabalho, o que acabou por provocar, por conseguinte, a redução do contingente de empregados envolvidos simultaneamente em atividades laborais internas. Concomitantemente, o trabalho em casa, o home of ice, foi adotado às pressas para o restante da mão de obra. Nesta ocasião inaugurou-se o formato híbrido de força de trabalho, mediante a conjunção das modalidades presencial e remota.

Estudo conduzido pela Fundação Instituto de Administração (FIA) revelou que 46% das empresas em atividade em nosso país adotaram emergencialmente o home of ice e, desse número, 67% relataram dificuldades iniciais de implantação, o que de certa forma era esperado, levando em conta a parca experiência que se detinha à época sobre o teletrabalho em larga escala. Porém, superadas as dificuldades iniciais, novos levantamentos apontaram que 50% das empresas ouvidas anteriormente relataram uma superação das expectativas sobre a modalidade trabalhista, ao tempo que 44% entenderam que o resultado alcançado confirmou os prognósticos de sucesso, o que descortinou um cenário promissor para quem pretende prosseguir apostando nessa modalidade de trabalho. Tanto é que 34% dos setores ouvidos demonstraram interesse em prosseguir com o home of ice para pelo menos ¼ do seu quadro funcional.

Se de fato essas tendências se confirmarão após o fim da pandemia, só o tempo dirá. A verdade é que independentemente de percentuais de satisfação ou de interesse no trabalho à distância, as experiências acumuladas em mais de um ano e meio trouxeram ensinamentos importantes para empresários e trabalhadores, incluindo a necessidade de reflexão sobre questões estratégicas ligadas à retenção e atração de talentos em um mundo digital que se expande.

Com o avanço do Programa Nacional de Imunização (PNI), a maior parte das empresas está conduzindo, neste momento, processos internos de negociação com seus colaboradores diretos, objetivando prioritariamente a definição das condições de retorno às atividades presenciais, ainda que de forma parcial. Pelo que se depreende até agora, esse processo tem se revelado particularmente sensível, haja vista a necessidade de encontrar soluções harmônicas que equilibrem o interesse das partes. Saliente-se, ainda, que não existe jurisprudência consolidada que oriente a tomada de decisões passíveis de judicialização no futuro, como por exemplo a demissão por justa causa de trabalhadores que declinem a vacinação. Tal possibilidade gera impactos na formulação de cláusulas contratuais. É de relativo consenso entre o mercado, todavia, que um retorno gradual de seus funcionários ao formato presencial, com a adoção de medidas sanitárias preventivas e de formas flexíveis de organização do trabalho corporativo, é absolutamente fundamental.

A síndrome do retorno ao trabalho presencial

Já pelo lado do empregado, o movimento de retorno gera medo e estresse diante da retomada da antiga rotina de deslocamentos diários e convivência em ambientes fechados. Uma síndrome que ganhou no exterior o nome de FORTO (fear of returning to the of ice ou medo de retorno ao escritório). A partir do novo cenário que se projeta em um mundo corporativo, conceitualmente híbrido e distribuído, os empregados deverão retornar gradativamente ao trabalho presencial, intercalando-o, em alguma medida, com outras modalidades: home of ice, coworking, escritórios flexíveis (customizados), hotéis, bibliotecas e, por que não, localidades paradisíacas, de frente para o mar. Em uma perspectiva mais ampla, “anywhere of ice”, o trabalhar de qualquer lugar, proporciona a coexistência entre trabalho e vida pessoal de forma harmônica e pacífica. Agora sim, estamos de frente para a verdadeira revolução que se inicia no mundo do trabalho.

Dentre as diversas modalidades de trabalho remoto, os espaços compartilhados, coworkings, têm atraído cada vez mais o interesse de empresas de menor porte, profissionais autônomos e, mais recentemente, da nova geração digital impulsionada pelas startups. Por trás desse movimento ascendente de adesão aos espaços multiusuários reside a lógica da economia do compartilhamento, que nos ensina que não é preciso ser proprietário de bens imóveis para empreender, findando de vez com o “sonho do escritório próprio”. Por que alugar, investir em obras de adaptação e conservação, adquirir mobiliário, gerenciar espaços de trabalho e prover serviços de apoio, se esse não é o foco da empresa? Por isso mesmo, a locação de espaços de trabalho está crescendo exponencialmente, inclusive em bairros afastados nas grandes capitais e em cidades do interior e litoral, chegando a condomínios e hostels, bem ao gosto dos nômades digitais que preferem se hospedar em locais mais alternativos.

Trabalho remoto: uma oportunidade para o setor hoteleiro

Diante desse cenário de multiplicação de oportunidades, sinto-me estimulado a fazer um convite à reflexão dirigida a empresários e entidades que representam a hotelaria de negócios (business travel). Trata-se de um segmento impactado de forma dramática pela pandemia, o que levou à paralisação de suas atividades centrais, entre outras: reuniões de negócios, substituídas pelas videoconferências; seminários corporativos, desestimulados pelas áreas de compliance; congressos. A ideia é que examinem a oportunidade e conveniência de ingresso desse segmento no negócio de locação de espaços compartilhados e escritórios flexíveis, mediante reserva, para tal fim, de parte de sua estrutura de hospedagem convencional.

Após essa breve incursão nas transformações em curso no mundo do trabalho, resultantes de uma crise pandêmica sem precedentes, julgo importante relembrar o que nos ensina a milenar sabedoria chinesa: crise, perigo, e oportunidade, aprendizagem, caminham lado a lado; cada crise pode ser a perdição ou glória, morte ou fortalecimento. Tudo depende de como a ocasião for administrada por governos, empresas e cidadãos.

 

*Ex ministro do Trabalho e Emprego. Exerceu, posteriormente, o cargo de Secretário Especial de Turismo do Rio de Janeiro