Concurso público faz a diferença

Produtividade e independência na administração pública brasileira

Felipe Galvão Puccioni*

O Tribunal de Contas da União – TCU, em um momento histórico, no dia 7 de outubro de 2015, decidiu, por unanimidade, emitir Parecer Prévio pela reprovação das Contas da Presidente da República de 2014, Dilma Rousseff. Em 125 anos de existência da Corte, havia sido a segunda vez que o fato ocorria. A primeira vez aconteceu em 1937 com a reprovação das Contas de 1936 de Getúlio Vargas.

Além disso, o TCU, em 2016, emitiu novo Parecer Prévio pela rejeição das Contas de 2015 do Chefe do Poder Executivo Federal. Foi a primeira vez na história do TCU que o órgão recomendou a rejeição das Contas de Governo do Presidente por dois anos consecutivos, 2014 e 2015.

As reprovações tiveram como fundamento diversas ilegalidades, principalmente, as chamadas “pedaladas fiscais”, arranjos financeiros e contábeis que consistiam no atraso sistemático de repasses do caixa do Tesouro Nacional aos bancos públicos afrontando as disposições da Lei de Responsabilidade Fiscal. As irregularidades descobertas foram a base do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff.

Diversas outras atuações do próprio TCU e de outros Tribunais de Contas do Brasil têm gerado grande repercussão econômica e social e, consequentemente, têm proporcionado à população maior conhecimento sobre o papel e importância desses órgãos para a democracia.

Apenas a título de exemplo do impacto econômico da atuação desses órgãos para a sociedade, trago o caso do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro - TCMRJ. O órgão gerou uma economia de R$ 22,8 bilhões de reais para a Cidade do Rio em um período de 10 anos. Esse valor equivale a 10 vezes o custo deste Tribunal no mesmo período.

Apesar de a Constituição Federal de 1988 atribuir ao Congresso Nacional, no seu artigo 49, inciso IX, a competência para julgar as contas do Presidente da República, o Parecer Prévio - que é uma avaliação técnica da gestão - emitido pelos Tribunais de Contas impacta negativamente as chances de reeleição dos mandatários que tiveram suas contas rejeitadas conforme pesquisa intitulada “Incentivos à reeleição aumentam a corrupção? Evidências contra-intuitivas dos Tribunais de Contas no Brasil” publicada no Political Research Quarterly pelos cientistas políticos Carlos Pereira, Marcus André Melo e Carlos Mauricio Figueiredo.

Objetivando avaliar mais profundamente que aspectos desses importantes órgãos de controle da Administração Pública estariam relacionados à sua produtividade e independência, realizei um estudo empírico com dados coletados de todos os Tribunais de Contas do Brasil. A pesquisa intitulada “Uma Análise Empírica dos Tribunais de Contas Brasileiros: Capacidades e Desempenho” foi publicada na revista acadêmica Direito GV SP que possui classificação Qualis-Capes A1 (mais alta classificação para um periódico científico). Os resultados são impactantes.

Apesar de os atuais debates no Congresso Nacional sobre alterações institucionais que aprimorem os Tribunais de Contas focaram-se principalmente no aumento do percentual de Ministros/Conselheiros (Membros) concursados, o artigo traz evidências importantes de que o caminho para o aprimoramento das Cortes de Contas brasileiras deve ser trilhado de maneira a aumentar o percentual não apenas de “Membros” advindos de concurso mas também, e principalmente, de servidores concursados como os da carreira de Auditor de Controle Externo. Esse debate sobre o aumento do percentual de concursados nos quadros dos Tribunais de Contas está ausente nas proposições legislativas que buscam o aprimoramento desses órgãos.

A análise estatística evidenciou que, quanto maior o percentual de servidores ou membros advindos de concurso, maiores são a produtividade e a independência dessas Cortes constitucionais de controle externo. De forma mais direta, em comparação com Tribunais que têm 80%, 90% ou 99% de pessoal concursado, a pesquisa identificou que as Cortes de Contas com percentuais de 40%, 50% e 60% têm piores resultados quanto à produtividade e à independência.

Um exemplo de instituição de excelência na Administração Pública brasileira que merece ser destacado é o do TCU que possui os melhores indicadores de desempenho e independência, de acordo com a pesquisa, e tem seu quadro de pessoal composto por nada menos que 99% de concursados.

Os resultados empíricos confirmam as previsões de Peter Evans. Em seu livro “Autonomia e Parceria: Estados e transformação industrial”, de 2004, o pesquisador afirma que ter estruturas organizacionais mais próximas ao modelo burocrático de Weber, principalmente quanto à seleção de funcionários, que deve ser racional e meritória, é um ingrediente básico para o desenvolvimento de um país.

A pesquisa sobre os Tribunais de Contas traz evidências empíricas sobre a necessidade de que as instituições públicas fortaleçam suas capacidades aumentando o percentual de agentes selecionados de forma racional e meritória. Ou seja, objetivando não apenas o aprimoramento dos Tribunais de Contas, mas também o desenvolvimento do País, estudos teóricos e empíricos indicam que há necessidade de se avançar no sentido de aumentar o percentual de agentes públicos selecionados por concurso público.

 

*Conselheiro do TCMRJ.
Cursa o PhD na Universidade de Cambridge (Trinity College)