Ações para um futuro previsível

Fabiano Horta*

Desde o fim de 2019, vemos o mundo trocar os pneus com o carro andando. A pandemia desnudou a inépcia do Planeta para levar a sério ações de planejamento. Não estamos livres de outras crises globais, e não haverá desculpas para a inação. A fome agravou-se onde já era dramática, a recessão tomou a cena em diferentes partes do mundo e, tudo isso, a partir da necessidade do isolamento, que evidenciou o quanto somos conectados.

Se no campo da tecnologia, a mudança de mentalidade acelerou entregas para atender às condições da crise sanitária, governos devem levar a cabo iniciativas elementares para a população não mais passar por abalos previsíveis. Aliás, sem previsibilidade, a economia não avança; sem previsibilidade, investidores não investem; sem previsibilidade, as pessoas que mais precisam sofrem as consequências.

Uma situação previsível, por exemplo, é o petróleo acabar. Mas, por décadas, governos gastaram o quinhão imediato de royalties recebíveis em estados e municípios, sem ampliar o leque de atividades econômicas sustentáveis para além desta fonte natural de energia não renovável.

Em nossa cidade, Maricá, na região metropolitana do Rio de Janeiro, mesmo três anos antes do recebimento dos royalties a que tem direito, era desenvolvida uma filosofia de gestão em que a economia é circular – alimentamos uma engrenagem de transferência de renda básica à população e, por tabela, os cofres municipais são naturalmente reabastecidos. Temos foco nas necessidades prementes, mas planejamos também o futuro sem o óleo.

Já em 2018, dois anos após começar o repasse dos valores, criamos o Fundo Soberano de Maricá, como uma poupança mensal a partir da arrecadação dos royalties (em média de R$ 100 milhões/mês) e de participações especiais (média de R$ 300 milhões por trimestre) da extração do petróleo na costa do município.

O percentual de aportes no Fundo é na faixa de 10%, mas varia conforme a arrecadação, e pode chegar a 15% do total. Tudo é regido por um conselho gestor, envolvendo secretarias afins e presidido pela de Fazenda, com transparência em site (http://fundosoberano.marica.rj.gov.br/). Os recursos são aplicados em fundos públicos pelo Banco do Brasil e a Caixa Econômica, e resultamem renda mensal da ordem de R$ 21 milhões.

O saldo atual do Fundo Soberano já ultrapassa o meio milhão de reais (R$ 626.974.030,36) e a estimativa é que, sob planejamento e gestão, alcance R$ 2 bilhões em 2024, transformando-se em um colchão de proteção futura à economia municipal para a manutenção das políticas públicas sócio-econômicas.

No presente, a nossa forma de trabalhar com previsibilidade está na decisão política de praticar a lei aprovada em 2004, estabelecendo o programa de transferência de renda, o Renda Básica da Cidadania. Curioso é que parece até que inventamos a pólvora, visto sermos o único município de todo o país a aderir a essa legislação.

Criamos a moeda social Mumbuca, um cartão eletrônico onde a Prefeitura repassa créditos a moradores para gastos somente na cidade, injetando R$ 12,7 milhões mensais nas finanças municipais. O retorno é calculável: o dinheiro aquece a economia, estimula a formalidade e aumenta a arrecadação (de R$ 31 milhões em 2015, subiu para R$ 372,7 milhões, nos oito primeiros meses de 2021 , mesmo durante a pandemia).

A lógica da economia circular abrange ainda a oferta de transporte público gratuito (ônibus e bicicletas compartilhadas com tarifa zero aos usuários em todo o território municipal). Os moradores circulam sem pagar nada e, então,gastam o dinheiro em compras que lhes sejam necessárias na cidade. Esse jogo de ganha-ganha é factível a todas as administrações. O tiro é certo, o resultado é previsível, a população é atendida e o município também lucra. Ainda por cima é lei. Cabe a decisão política pelo gestor público.

 

*Fabiano Horta é prefeito de Maricá