André Moura revela os bastidores do Governo Witzel

Na sua entrevista ao O Globo neste final de semana, o presidente da Alerj, deputado André Ciciliano considerou a saída de André Moura um dos atos que aumentou a distancia dos deputados com o governo de Wilson Witzel. Ex-deputado federal, ex-líder do Governo Temer no Congresso e filiado ao PSC, Moura tem uma bagagem dos bastidores da política nacional, rara para a sua geração. Ele saiu da Secretário da Casa Civil. De forma discreta, evitando a imprensa, porém abriu uma exceção pela necessidade de justificar na sua base eleitoral a sua exoneração.

Moura concedeu uma única entrevista na qual fala de forma nua e crua, ao programa do jornalista Narcizo Machado, radialista e apresentador do Jornal da Fan, quadro da emissora de rádio Fan FM 99.7, sediada em Aracaju. O jornalista sergipano conseguiu um furo que causou inveja aos colegas do Rio, levou o seu entrevistado a revelar detalhes dos bastidores do Governo do Rio. O Correio da Manhã, reproduz a reveladora entrevista concedida ao nosso colega Narcizo Machado:

Narcizo Machado - Meu caro André Moura. Eis que o Brasil, o Sergipe é pego de surpresa com a saída de André Moura. André Moura foi visto, durante algum tempo, como o homem forte de Wilson Witzel. Como é que o homem forte cai?

Veja Narcizo, desde quando nós chegamos ao governo do Rio de Janeiro, primeiro como secretário do governo do Rio em Brasília, e até nessa semana, foi feito um editorial lá no jornal do Rio de Janeiro, dizendo um pouco disso, que nós abrimos muitas portas pro estado do Rio de Janeiro em Brasília, no Governo Federal. Em pouco tempo que estivemos lá na frente da secretaria do Governo do Rio, fomos nomeados no final de maio, e em pouco menos de quatro meses levamos para o Rio de Janeiro aquilo que o estado nos últimos anos, até nos últimos quatro anos do governo Pezão, não conseguiu levar, e em quatro meses levamos para o Rio de Janeiro mais de R$ 3 bilhões, uma coisa que ninguém nunca acreditava. E isso, logicamente fez com que o governador nos convidasse. Foi um dos motivos também para que fossemos à Casa Civil, e por que faltava ali uma articulação política também... E pela nossa experiência enquanto deputado, líder do governo na Câmara e no Senado, foram também os motivos pelo qual fomos convidados para irmos à Casa Civil.

Aceitamos o desafio, fomos para a Casa Civil. O governador ali fez a fusão de várias secretarias na Casa Civil, transformando-a em secretaria da Casa Civil e Governança. Uma das nossas missões era cuidar do orçamento e planejamento do Estado. Quando nós chegamos na secretaria, o orçamento do Estado tinha uma previsão de que ele fosse somente até o mês de novembro, em dezembro não teríamos mais orçamento, não teríamos mais como pagar absolutamente nada. Fizemos todo um novo planejamento. Fizemos um contingenciamento em algumas áreas que entendíamos que não eram essenciais, priorizamos outras áreas, e o governador ficou muito feliz por que a gente conseguiu, em tão pouco tempo, chegamos ali em setembro, encerrar o ano pagando a folha dos servidores. E quando nós chegamos, não tinha a previsão para o pagamento da folha dos servidores no mês de dezembro, no 13º, conseguimos antecipar o pagamento do 13º integral. No dia 2 de dezembro, pagamos o mês de dezembro também dentro da data prevista, cumprimos todas as obrigações e conseguimos, Narcizo, ali de setembro a dezembro, fazer com que o índice de aplicação constitucional da saúde e da educação fosse cumprido.

Quando nós chegamos em setembro, nós tínhamos apenas cerca de 7% do orçamento investido na educação, quando o mínimo tem que ser 12%. E nós tínhamos ali 16% na saúde, melhor dizendo 12%, e na educação em 25%, tínhamos apenas 12% investido. E nós conseguimos chegar no final do ano com ajustes que nós fizemos e o remanejamento do orçamento, conseguimos cumprir o limite constitucional. Investimos 12,57% na saúde e 25,93% na educação, coisa que nos últimos seis anos no estado do Rio de Janeiro não se fazia.

Então, fizemos um verdadeiro choque de gestão, e conseguimos construir uma base sólida do governo na Alerj. Quando nós chegamos o governo tinha apenas na sua base de 70 deputados, 21 na Alerj. E quando saímos, deixamos uma base com 49 deputados, e dois deputados além do Partido Novo, que em determinados momentos votavam com a gente ou não. Mas 49 firmes, de 70. Saímos de 21 para 49... Aumentamos em 28 deputados.

Mas isso fez com que gerasse um problema interno. Primeiro por que no governo tinha um cidadão chamado Lucas Tristão, secretário de Desenvolvimento Econômico, que era o todo-poderoso do governo, que todas as decisões passavam por ele. Com a nossa chegada, com esse choque de gestão que nós fizemos, ajustando os orçamentos, conseguindo priorizar áreas essenciais do governo como eu já acabei de relatar, isso fez com que todos os secretários e o próprio governador começasse a nos dar autonomia, os secretários todos se reportando à Casa Civil, e o secretário Lucas começando a perder força e começou a ficar meio que isolado. Aí ele começa um trabalho interno no governo contra a Casa Civil...

Então nessa informação, a imprensa nacional não errou, o Tristão realmente partiu pra cima de você para desarticular.

Não errou. Isso, partiu pra cima de mim e começou a tentar desarticular o meu trabalho. Lucas é um cidadão que acompanha Witzel há muitos anos, desde o tempo que o governador era juiz ainda no Espírito Santo, quando o governador veio para o Rio, ele veio junto... Enfim, o governador foi para a campanha e ele coordenou tudo, Tristão ainda foi aluno dele no Espírito Santo. Então, ele acompanha o governador Witzel há muitos anos, e ele entrou em uma rota de colisão comigo internamente, e um dos motivos também foi que ele comandava até minha chegada à secretaria da Casa Civil, ele comandava todas as secretarias, e não conseguia comandar uma única secretaria que era a do Estado da Fazenda, por que o secretário é Luiz Cláudio, ele que foi secretário do Estado de São Paulo, e não se deixou logicamente ser comandado pelo cidadão.

Com a minha chegada, ele perde o poder que ele tinha com o meu antecessor na Casa Civil, e começa a perder poder com outras secretarias por que ninguém se reportava mais a ele, como se reportavam a mim, por que sabiam que a gente tinha feito um verdadeiro choque de gestão, e essa ruptura interna com ele foi crescendo cada vez mais. E ele, além de tudo, começa a plantar notas na imprensa, dizendo que o governo não tinha base na Alerj, que o governador estava insatisfeito com o meu trabalho na Assembleia Legislativa. Só que os números mostram o contrário. Da minha chegada para frente, o governador aprovou tudo que quis na Alerj, de setembro pra frente. Até então, ele tinha 21 em sua minoria. Perdia quase tudo na Alerj.

Na minha chegada, ele aprovou tudo. Não perdeu absolutamente nada. Aprovou o orçamento sem nenhuma emenda. A oposição apresentou nada mais nada menos que 4.332 emendas de orçamento. Nós aprovamos o orçamento sem uma emenda sequer. Aprovamos o orçamento como nós encaminhamos para a Alerj. Derrubamos 4.332 emendas da oposição. Aprovamos tudo aquilo que era importante para o estado.

Bom, chega agora, o governador começa a enfrentar os problemas que a imprensa noticiou de prisões, de uma série de problemas, e ele, no olho do furacão, o Lucas, como o grande pivô de tudo isso, considerado pela imprensa como o cara que é o responsável por todos esses problemas. E aí, e não me pergunte o porquê, pois eu não tenho essa resposta, o governador, sem nenhuma explicação, na quinta-feira da semana passada, despachou normalmente comigo pela manhã...

Essa outra informação também circulou na imprensa nacional, procede? Você trabalhou normalmente, não dizendo nada que você seria exonerado?

Procede. Não, absolutamente nada. No almoço, me chamou para almoçar com ele. Ali no almoço, ele me fez um pedido: “André, eu tenho recebido aqui algumas informações do próprio Lucas, secretário de Desenvolvimento Econômico, que já é possível fazer a reabertura de alguns segmentos da economia, o Secretário de Saúde me traz algumas informações, enfim, eu queria que hoje à tarde você reunisse os secretários e me trouxesse uma proposta de decreto que a gente pudesse já a partir do dia 1º de junho, abrindo de forma gradativa e aos poucos algumas coisas aqui no Rio de Janeiro, inclusive o planejamento de quando a gente pode chegar a reabrir tudo até o início de agosto”. Isso foi na hora do almoço, e na hora eu mandei convocar todos os secretários, fizemos uma reunião a partir das 14h30 com todos os secretários envolvidos da área: o Secretário da Saúde, o próprio Secretário da Fazenda, Transportes, enfim... e fomos para essa reunião por volta de 18h30 e 19h.

A reunião aconteceu. Você chamou todos os secretários e atendeu o último pedido?

Sim, chamei todos os secretários e trabalhei normalmente. E depois me chega a informação que, à tarde, por volta das 15h, o governador recebe em seu gabinete o secretário Lucas Tristão, e por ali ficam longas horas de reunião, por volta das 15h até o final da tarde. Mas eu estava lá fazendo o meu trabalho. Preparamos uma proposta de decreto, e quando concluímos, eu chamei todos os secretários para irmos ao gabinete do governador, já que a casa é lá no próprio Palácio da Guanabara, para que a gente pudesse apresentar essa proposta de decreto para que fosse publicada a partir do dia 1º de junho.

Ao chegar no gabinete do governador, recebo a informação de que o governador tinha ido para o Palácio das Laranjeiras, e tinha orientado o chefe de gabinete que, quando eu concluísse a proposta do decreto, que eu encaminhasse para ele. E assim eu fiz. Encaminhei para ele a proposta por volta das 19h. E a informação que eu tinha tido é que ele tinha ido pra casa e não estava se sentindo muito bem. Eu encaminhei, voltei para o meu gabinete e voltei a trabalhar normalmente. Fui fazer os meus despachos internos já que eu tinha paralisado tudo durante toda a tarde para atender o pedido dele de preparar o decreto que seria publicado a partir do dia 1º de junho. E voltei a trabalhar.

Por volta das 20h, o governador me passa um zap pedindo que eu fosse até o Palácio das Laranjeiras falar com ele. E assim eu fui. Saí do Guanabara, fui em Laranjeiras, e chegando lá, o governador me diz que o governo dele estava dividido, que existia uma ruptura muito grande, de um lado, um grupo de secretários liderados por mim, e pelo Secretário de Estado da Fazenda, que também internamente no governo era adversário, inimigo do Lucas Tristão, e que nós dois estávamos liderando um grupo. E do outro lado, o Lucas, e que essa ruptura interna ele não conseguia resolver, não conseguia pregar união, e que ele teria que fazer uma opção para não deixar o governo dele dividido, e que o secretário Lucas o acompanha durante muitos anos, enfim... E que ele escolheria o Lucas. Agradeceu a mim e ao secretário da Fazenda, Luiz Cláudio, e que ali naquele momento ele estaria me exonerando.

Houve algum clima tenso nessa reunião?

Não. Ele estava com a fisionomia muito abatida. Não sei detalhes, mas com certeza a decisão dele foi daquela reunião que ele teve à tarde com o secretário Lucas, por que ele despachou comigo normalmente pela manhã, me fez alguns pedidos, almoçou comigo, me fez o pedido do decreto, pediu que a gente fizesse um planejamento de algumas ações para agora no mês de junho, me deu algumas orientações de alguns outros encaminhamentos que ele queria que fossem feitos. Despachou normalmente, sem nenhum problema. Se reuniu com o secretário Lucas, de lá foi pro Palácio das Laranjeiras, depois à noite me chamou para comunicar sua decisão.

O porquê dessa reunião com o secretário Lucas para que ele pudesse depois tomar a decisão de me exonerar e exonerar o secretário Luiz Cláudio, que eram os dois que lideravam o processo dentro do governo de não aceitar as imposições do secretário Lucas, era eu e o secretário Luiz Cláudio. E aí ele toma essa decisão, e entram duas pessoas totalmente ligadas ao Lucas Tristão: o doutor Raul, que assumiu a Casa Civil, e o Guilherme Mercês, secretário da Fazenda.

Você se arrepende hoje de ter ido para essa linha de frente contra o Tristão e não de repente ter buscado ali uma aliança interna, uma conversa?

Não, de hipótese nenhuma. Se eu não tivesse ido para a linha de frente com o secretário Lucas Tristão, eu talvez estivesse sendo considerado um dos pivôs ao lado dele e de tudo o que ocorreu no estado do Rio de Janeiro. Muito pelo contrário.

Você fala das operações da Polícia Federal?

Sim. Então muito pelo contrário. Estou muito tranquilo, muito consciente do que eu fiz. Fiz o trabalho que tinha que ser feito, tanto é que, como já disse aqui, um breve relato: ajustamos o orçamento do estado, conseguimos encerrar o ano passado pagando e cumprir todas as nossas obrigações, fizemos um trabalho na Alerj que deu governabilidade ao governo. Tanto é que no dia da minha exoneração, na quinta-feira à noite para hoje, o governo se desmoronou na Alerj. Hoje o governo não tem mais base na Alerj. O governador perdeu, na sexta-feira pela manhã, o líder do governo. Ele foi lá e entregou o cargo e disse que com a minha saída e com o empoderamento de Tristão no governo ele não tinha condições de ficar. O vice-líder da mesma forma, pelo mesmo motivo, deu uma entrevista dizendo que por conta da minha saída entregava também o cargo. Depois disso, o governador convidou cinco deputados estaduais para a liderança: o deputado Jorge Felipe Neto, o deputado Jair Bittencourt, deputado Rosemberg Reis, deputado Bruno Dauaire, o deputado Carlos Augusto, e nenhum assumiu.

Ele não tem um deputado hoje que aceite ser líder do governo... Tudo isso que digo está na imprensa do Rio de Janeiro. O próprio presidente da Alerj deu uma entrevista esses dias dizendo isso lá na imprensa do Rio, que o governador fez ofertas, colocando oito secretarias da base para poder reconstruí-la, e não conseguiu nenhum parlamentar para o seu governo. Quando você coloca oito secretarias e não consegue um parlamentar para ser secretário e recompor a base... Então, da minha exoneração pra cá, comprova que existia base por conta do trabalho que eu fazia.

Para que a gente possa finalizar esse assunto e partir para o futuro, para os sergipanos, após toda essa operação da Polícia Federal em todo esse processo, André garantiria com tranquilidade que tudo aquilo que foi especulado na imprensa nacional, a citação na delação, os R$ 100 mil para um assessor, tudo isso que foi veiculado, dá tranquilidade a todo esse processo?

Tranquilidade total. Veja, tudo isso a gente descobre depois que tudo isso é plantado pelo próprio Lucas. A história de que eu teria um envolvimento com negociação de pagamentos atrasados com o governo do Estado com o tal do Rei Artur. Toda essa operação de pagamento dele lá ocorreu, volto a repetir, em março de 2019. Eu não era secretário do governo nem em Brasília. Eu assumi a secretaria do governo em Brasília no dia 28 de maio de 2019. Assumi a Casa Civil em setembro de 2019. Seis meses depois. Então, até pela questão de tempo, pelo marco de tempo, era impossível eu ter tido qualquer envolvimento em pagamentos atrasados desse cidadão aí que está foragido há alguns anos lá, e que obviamente eu nunca vi na minha frente.

A maior prova disso é que o próprio Ministério Público não aceitou a proposta de acordo de delação deles pelo absurdo que é. Pelo menos, em relação a mim é um absurdo total. Uma coisa que ocorreu em março de 2019, e quando eu chego no governo em Brasília em maio, e no Rio em setembro de 2019. Meses depois. Então, essa possibilidade não existe.

Enquanto à questão do R$ 100 mil do assessor, veja: a Casa Civil ficou muito grande, por que englobou várias secretarias: planejamento e orçamento, comunicação, a própria Casa Civil, enfim... uma secretaria com mais de dois mil e tantos funcionários. Uma secretaria gigantesca.

E eu não tenho responsabilidade pelos atos praticados no privado, no particular de cada um desses assessores. Se fosse um assessor dos meus que eu levei daqui de Sergipe para trabalhar comigo lá, ou da minha equipe de Brasília para trabalhar comigo lá... Mas o restante, foram pessoas lá do Rio que eu encontrei e já estavam. É diferente. Se eu sou secretário de Estado em Sergipe, você chega, pode tirar todo mundo e até montar uma equipe sua. Eu chego no Rio de Janeiro, como uma equipe gigantesca, não tinha como eu montar. Tive que aproveitar as peças que estavam lá. Aproveitei algumas pessoas de Brasília e algumas pessoas de Sergipe. Mas o que esse cidadão fez lá eu não tenho responsabilidade nenhuma, e além do mais, essa empresa fomos nós, na minha gestão, quando entrei ela já estava trabalhando lá e entrei com um processo administrativo para retirar a empresa pelos péssimos serviços que eles prestavam. E consegui tirar eles de lá. Essa empresa conseguiu uma liminar no Tribunal de Justiça pra voltar.

Nós entramos com outra ação através da Procuradoria, conseguimos derrubar essa liminar e tirar essa empresa. Então, quem tirou a empresa do governo foi eu. Não é possível que tivesse qualquer participação minha em um contrato assinado por um cidadão que trabalha na Casa Civil em um escritório de advocacia particular dele e de sua família. Quem acionou a empresa no processo administrativo e judicial no governo foi eu por causa dos péssimos serviços que ela prestava. E nós a tiramos. É a prova maior que eu não tenho nada a ver com isso.