O Globo acerta em voltar a ser um jornal nacional e Correio da Manhã consolida sua posição como veículo estadual

O Globo acerta em voltar a ser um jornal nacional e Correio da Manhã consolida sua posição como veículo estadual

Antes de Brasília, os jornais do Rio falavam com o Brasil. A edição nacional de O Globo agora é viabilizada pelo fim das amarras industriais e o avanço do formato digital

Correio da Manhã usará as mesmas ferramentas para cobrir os 92 municípios fluminenses

Por Cláudio Magnavita*

Ao se posicionar como jornal nacional, O Globo volta às origens. A imprensa do Rio era, de fato, a imprensa nacional. O Brasil se encontrava exatamente aqui, no Império e depois na República.
Os jornais cariocas cobriam a corte imperial e, depois, o Palácio do Catete. Eram jornais da capital federal. A Câmara e o Senado ficavam no Rio, e a cobertura dos veículos cariocas eram os temas nacionais.

A imprensa carioca se beneficiou muito com a migração dos grandes talentos do jornalismo brasileiro. Vir trabalhar no Rio era um upgrade para o jornalista de outras regiões. Passava a ser um nome nacional. Essa concentração de cérebros irrigou o jornalismo carioca durante décadas.
Os títulos dos próprios jornais refletiam está projeção além fronteira estadual: Correio da Manhã , Jornal do Brasil (o nome mais nacional da época), O Dia, O Globo, Diário de Notícias, O Jornal, Última Hora, Tribuna da Imprensa, entre dezenas de outros. Nenhum regionalismo na marca.
Um erro coletivo dos empresários da imprensa foi não perceber que a mudança da capital afetaria essa posição nacional. Nenhum dos jornais cariocas migrou ou criou a sua edição na nova capital federal. O único que partiu na frente foi Assis Chateaubriand, dos Diários Associados, que criou o Correio Braziliense, mas sem nenhuma pretensão de ser um veículo nacional.

Assis Chateaubriand, proprietário do Diários Associados

A criação do estado da Guanabara manteve o conceito de cidade-estado que deixou os jornais cariocas presos na mesma bolha de autonomia do Distrito Federal, sem obrigação de olhar para o outro lado da baía ou pensar no vizinho Estado do Rio e seus municípios. Isso era tema para “papa-goiaba”, como diziam na época.

Por alguns anos, o jornalismo ficou preso no processo gradual da mudança na capital. Os jornais cariocas estavam presos em uma produção industrial quase artesanal. O próprio fluxo das notícias chegava por “telegramas” e já, no meio do século XX, por teletipos, por máquinas de telex das agências internacionais e as fotografias por radiofoto. Nos telhados das empresas jornalísticas havia antenas emaranhadas que ligavam as redações ao mundo.

Era impossível a impressão simultânea de uma mesma edição até o fim dos anos 1980. O transporte dos jornais do Rio para Brasília era feito por avião na janela da madrugada. Custava caro, exigia uma primeira edição mais fria jornalisticamente e havia o transporte terrestre dos suplementos dominicais para baratear custos pelo volume e peso das edições.

Roberto Marinho seguiu os passos do pai, Irineu, no comando de O Globo

Em Brasília, se criou o hábito de ter o Correio Braziliense ou o Jornal de Brasília em casa, cedo, e ler no gabinete, a partir das 9, os jornais dos outros estados.

Há alguns anos, O Globo e o Valor Econômico passaram a ser impressos em Brasília, e tiveram bons resultados, tornando-se leitura matutina na cidade.

O esvaziamento do Rio se deu também com a migração do poder econômico para São Paulo. Sem o poder político, já instalado na capital federal, e com o fortalecimento de São Paulo, a decadência atingiu em cheio os jornais cariocas, reduzidos à cobertura provinciana e sem processos industriais capazes de levar em massa os exemplares para leitores de outras localidades. Esses formadores de opinião e líderes políticos do seus estados estavam definitivamente instalados no Planalto Central, e os jornais cariocas bem longe do seu cotidiano.

A fusão só agravou o problema de foco dos jornais cariocas. Eles teriam de ser agora jornais fluminenses. Aliás, o jornal O Fluminense, produzido em Niterói, que tinha reinado sozinho durante décadas, com um governador e deputados para “chamar de seus”, viveu um esvaziamento político similar ao Rio no início dos anos 1960. A capital do estado passou para o outro lado da baía, com a fusão da Guanabara ao Rio de Janeiro.

Leda Nascimento Brito, do Jornal do Brasil

A nova realidade

Hoje, os jornais estão se libertando das amarras do processo industrial e da impressão em papel. As edições em PDF permitem a mesma arquitetura do impresso, com manchetes e colunas sem os morosos processos de impressão e distribuição. O leitor do jornal em PDF não precisa nem sair da sua cama para ler a edição. Ele não tem que esperar a gravação de chapa, impressão usando bobinas de papel, manuseio dos exemplares e a distribuição, às vezes em longas viagens. Eles podem ser lidos na hora que o editor disponibilizar.

Beneficiado por seu DNA nacional e por ter uma poderosa ferramenta que herdou seu nome, a TV Globo, o jornal O Globo foi o primeiro veículo a assumir esta estratégia. Está fazendo isso com absoluta competência. O fluxo dos novos anunciantes nacionais garante um recurso mais parrudo, bem diferente dos anunciantes locais e que usavam os jornais só em suas mídias regionais. Reedita no Brasil o modelo do USA Today, o primeiro projeto de um jornal nacional nos Estados Unidos, com vários centros próprios de impressão e distribuição. Um investimento milionário, que o mercado nacional não suportaria. Esse modelo ficou obsoleto com os avanços digitais. Hoje, o jornal chega na mão do leitor com apenas um clique e um aperto de botão.

Está acontecendo na indústria o que ocorreu na fotográfica, por ironia, uma ferramenta valiosa dos jornais. O fim do processo químico que exigia dos jornais manter seu próprios laboratórios de fotografia. As rotativas estão destinadas a ter o mesmo fim dos linotipos, máquinas de fotolito ou os ampliadores fotográficos.

O portfólio da Editora Globo, incluía a revista Época, título semanal que tinha o objetivo de ser o veículo nacional do grupo. Agora, com a edição nacional do jornal, a revista foi absorvida pelo diário.

Os efeitos da pandemia

Os catorze meses de pandemia levaram os leitores a mudarem de hábitos. As bancas estiveram fechadas, e quem as frequentava, o público mais velho, só agora começa, pouco a pouco, a sair do isolamento. O medo de tocar um objeto muitas vezes manipulado por desconhecidos atingiu também os jornais, e as assinaturas do impresso despencaram.

Os especialistas afirmam que antecipamos em cinco anos os hábitos de consumo.

O que O Globo fez foi brilhante. Ampliou o seu mercado, se livrou das amarras regionais e do processo eleitoral, e voltou a ser o primeiro jornal carioca a assumir um cenário nacional, reduzindo o carioquismo das suas edições.

Edmundo Bittencourt, fundador do Correio da Manhã

Oportunidade para o Correio da Manhã

O Correio da Manhã acordou do seu processo de hibernação em 12 setembro de 2019. Exatamente 50 anos depois do seu arrendamento à família Alencar, que varreu a família Bittencourt do expediente. Exatamente no cinquentenário do inesquecível editorial “Retirada”, publicado na primeira página, no qual Niomar Muniz Sodré de Bitencourt comunicava o seu afastamento e profetizava: “Retornaremos”.

No dia seguinte, Márcio, Maurício e Marcelo Alencar (este último, depois, eleito prefeito e governador) retiraram o nome do fundador Edmundo Bittencourt do cabeçalho do jornal. Do expediente saíram os nomes de Paulo Bittencourt e da própria Niomar. O jornal que eles faziam perdeu, naquele momento, sua identidade e laços com a história.

No retorno profetizado por Niomar, em 2019, o jornal trouxe orgulhosamente nome de seu fundador no seu lugar de origem; no expediente estavam novamente os nomes de Paulo e Niomar. A numeração da edição dá sequência àquela de 11 de setembro de 1969, a última com o DNA que foi restaurado há quase dois anos.

Em abril de 2020, o jornal passou a ser diário, com a edição expressa, já percebendo os novos hábitos que chegaram com a pandemia. O foco era o resgate da cobertura política e os posicionamentos corajosos que fizeram a história do Correio da Manhã. Hoje, a coluna Magnavita se consolidou como o principal espaço do colunismo político fluminense. São incontáveis os furos jornalísticos do Correio da Manhã que migram para os telejornais, para publicações concorrentes e para as revistas nacionais. Na segunda quinzena de maio, o Correio da Manhã foi citado como referência em cinco notas da coluna Radar, da Veja.

A lacuna aberta pelo posicionamento nacional de O Globo possibilitou o crescimento do Correio da Manhã como o veículo que fala direto com os formadores de opinião do Rio. O jornal virou referência. O espaço de se consolidar nas camadas mais altas da pirâmide social não é ocupado pelo O Dia e o Extra, que têm foco mais popular. Era um espaço ocupado pelo próprio Correio da Manhã no passado e, depois, ocupado pelo Jornal do Brasil e O Globo. Agora, retorna ao Correio da Manhã.

Paulo Bittencourt, filho de Edmundo, que passou a controlar o jornal depois da morte do pai

Crescimento para o interior

A mesma estratégia possibilitada pelo fim das amarras industriais na questão geográfica, que levou O Globo a se posicionar como veículo nacional, será usada pelo Correio da Manhã com um foco diferente. Na próxima semana, o jornal estreia a página e a coluna Correio Fluminense. Sua edição será distribuída para todos os prefeitos, vice-prefeitos, presidentes de câmaras e vereadores de todos os municípios fluminenses. O jornal assume a sua posição de veículo estadual e com foco na defesa do estado do Rio de Janeiro. A nova editoria ampliará a cobertura do interior do estado e da vida política dos 92 municípios fluminenses.

O Correio da Manhã completa, no próximo 15 de junho, 120 anos, sendo mais uma vez protagonista de um novo cenário da imprensa do Rio. Entre a série de celebrações programadas para marcar a data, será lançada a primeira biografia da Niomar Moniz Sodré de Bittencourt.

Niomar Moniz Sodré de Bittencourt, mulher de Paulo, que assumiu o controle do jornal, depois da morte do marido

*Claudio Magnavita é diretor de redação do Correio da Manhã