A Povoação Exemplar

Por Vicente Loureiro

Decreto nº 155 do Imperador Pedro II, de 16 de março de 1843, determinava, entre outras medidas, a demarcação de locais para construção de uma casa de veraneio da família imperial, de uma igreja, de um cemitério e de uma povoação, acompanhada de Colônia Agrícola, nas terras da fazenda do Córrego Seco, estabelecendo assim as condições para a implantação do que viria a ser Petrópolis, a primeira cidade inteiramente planejada do Brasil. Orientada por um bem estruturado plano urbanístico elaborado por um engenheiro militar de origem alemã: o major Júlio Frederico Koeler.

Seguindo as determinações do Imperador, as diretrizes do Plano Koeler dividiam as terras da Fazenda Imperial em 2 Vilas, 11 quarteirões, 8 praças, tudo conectado por um sistema viário hierarquizado, composto de ruas e avenidas lançadas nos fundos dos vales abraçando 17 rios e córregos.

O plano continha detalhamento da urbanização da Vila Imperial, delimitando três classes de lotes de terra, distribuídos de modo mais ou menos equidistantes do centro da futura povoação. Sendo, os maiores e mais distantes, destinados obrigatoriamente às atividades de cultivo, configurando um traçado orgânico e tentacular. Datado de 1846, o plano possuía um regulamento para sua implantação contendo 16 artigos, muitos deles inovadores para época. Alguns, fazendo todo sentido mesmo nos dias de hoje, 175 anos depois.

Pode-se destacar do Plano Koeler as seguintes inovações: os rios passam a figurar na frente das casas e não nos fundos como era usual. As construções seguiam alinhamento pré-definido, respeitando afastamento frontal. Normas rígidas garantiam a preservação das matas no alto das colinas. O uso, a ocupação e o parcelamento do solo estavam previamente regulados, seguindo zoneamento proposto. Mas não era só isso. Atribui-se ao minucioso levantamento topográfico das terras da Fazenda, realizado pelo próprio Koeler, a precisão do traçado proposto com a localização exata dos rios e afluentes, das ruas, caminhos e praças, da divisão dos lotes de terra e da definição das áreas destinadas às funções públicas e institucionais.

Curioso é que esse Plano Urbanístico de Petrópolis foi concebido na mesma época em que, na Europa, surgiam os novos instrumentos para intervenção em áreas urbanas, visando resolver problemas das cidades pré-existentes, afetadas por crescimento urbano desordenado, produto da revolução industrial então em curso. O caso de Petrópolis é distinto. Podendo ser considerada também pioneira no cenário Internacional na medida em que foi a primeira cidade planejada por antecipação e com medidas de caráter preventivo em relação a problemas futuros diante dos postulados da chamada urbanística moderna, segundo o historiador do urbanismo Leonardo Benévolo, nascida entre 1830 e 1850.

Surge, nessa mesma época, o Plano de Expansão de Barcelona de autoria do engenheiro de caminhos Ildefonso Cerdá, considerado um dos mais bem-sucedidos da era moderna. O de Petrópolis nasceu um pouco antes, estabelecendo diretrizes para uma nova cidade. Há semelhanças e importantes diferenças nos propósitos desses dois instrumentos pioneiros do planejamento urbano. O mais importante é a constatação de que, em suas trajetórias, o do major Koeler foi bem menos respeitado que o de Cerdá. Mal ou bem, Barcelona foi conseguindo abrigar os novos habitantes imigrantes que nela aportaram atraídos pelas oportunidades criadas. Em Petrópolis, não. A sensação que se tem é que as concessões foram acumulando-se ao longo de quase dois séculos e seu plano não conseguiu absorver os novos “colonos”, dessa feita urbanos, que a ela se dirigiram com desejo de ali fazer a vida.

Fica a lição: planejar é preciso, sempre. Mas cuidar para que o futuro desejado seja capaz de acolher os sonhos de todos é imprescindível. Na certa, ocorreram, desde o anúncio do Plano Koeler, vacilos, omissões e erros de dirigentes públicos, empresários e cidadãos comuns, desviando a cidade das diretrizes originalmente traçadas. Mas, o que perpassa todos esses possíveis descaminhos adotados, é o fato de não sabermos ainda planejar ou fazer cidades inclusivas. Podemos até ser pioneiros, como aconteceu com Petrópolis, e até ousados, como em Brasília, mas nos falta muito ainda para virarmos referência em fazer cidade para todos, sem deixar ninguém para trás.

*Arquiteto e urbanista