Wagner Victer | Reflexões quanto a bipolaridade de um “comunista direitista”

Por: Wagner Victer*

Participo de muitos grupos de WhatsApp de diversas matizes ideológicas e com múltiplos temas, como é crescentemente comum em nossa geração que muito se comunica de forma virtual.

Observo que, cada vez mais, estamos vivenciando um processo confuso de patrulhamento ideológico onde a agilidade das mídias sociais e as análises simplistas, curtas, e preconceituosas estão tangenciando um dos basilares princípios democráticos que é a livre opinião, e estão fazendo com que os estereótipos sejam colocados em função do foro que você se insere ou da opinião que eventualmente emite. Em outras palavras: cada vez mais as pessoas não se identificam com ideias, mas com grupos, e a partir desses grupos derivam suas ideias.

Me surpreendi, pois alguns dias atrás, em um grupo de WhatsApp que participo como Conselheiro de uma entidade centenária de engenharia, fui “massacrado” por defender a liberdade de um dos Conselheiros presentes no grupo em emitir sua opinião favorável a uma prática do Governo Federal. Não que eu concordasse com a afirmação do Conselheiro que sequer conheço, porém a forma como também o repreenderam foi bastante estranha para um grupo de pessoas que são qualificadas e maduras pelo contexto que se inserem.

Ao defender o direito de alguém colocar a sua opinião, mesmo destacando que não concordava com ela, algumas pessoas do referido grupo, que aliás não possuía qualquer trajetória institucional progressista, de forma simplista começaram a me tachar de “direitista”, como aliás se isso me ofendesse.

Em outros grupos, majoritariamente de esquerda, um texto de uma professora, pasmem, chegou defender a absurda tese, aplaudida por alguns, de que deveríamos acabar com as Forças Armadas no país, o que causou também furor quando a contrapus com a “tese direitista” de que essa seria uma impropriedade, baseada em uma análise simplista e momentânea fruto de algum desagrado.

Já em outros grupos que participo, quando faço alguma consideração de virtudes ou avanços sociais dos chamados “governos da esquerda”, automaticamente também sou “massacrado” e imediatamente alguns me classificam como comunista, como aliás se isso também me ofendesse.

Ou seja, virei repentinamente um cidadão bipolar, um tipo de Frankenstein, ideológico improvável do tipo “Comunista Direitista”, por defender o direito democrático das pessoas expressarem sua opinião, ou por defender instituições previstas na Constituição Federal que são santificadas ou demonizadas em função do perfil do pensamento dominante ou da postura confortável média da composição do grupo.

O pior que esse fervor está também sendo associado e emblematizado de forma agressiva e intolerante como se o indivíduo fosse aderente a eventuais práticas indevidas, que aliás existem ou existirão em qualquer segmento ideológico.

A primeira vez que escutei essa expressão de “Comunista Direitista” foi de um amigo de longa data, que aliás era comunista, o ex-Deputado Aldo Rebelo. Por ser conciliador, ele recebia essa classificação e me disse que também achava interessante. O mais peculiar é que o Aldo, que hoje já está até em outro Partido, com essa característica, mesmo com uma bancada minúscula, conseguiu chegar a ser Presidente da Câmara Federal, com o voto dos “Direitistas” e até Ministro de Defesa, bastante elogiado pela grande maioria dos militares.

A vida é uma construção de nossa personalidade derivada de nossas convivências e experiências, talvez um dos maiores aprendizados voltados a ter uma visão de equilíbrio e tolerância que eu tive durante a militância na juventude, foi nas reuniões da Associação dos Engenheiros da Petrobras - AEPET, que fazíamos semanalmente, aonde exercitávamos a prática do debate, e devíamos sempre buscar o equilíbrio e respeitar as opiniões, mesmo que totalmente divergentes às de nosso eventual opositor.

Possivelmente, a melhor referência pessoal que tive nessa questão na postura de buscar o equilíbrio e tolerância, foi no convívio com um engenheiro raiz da Petrobras, Diomedes Cesário, que nos momentos mais difíceis do início do governo Collor, quando a Petrobras era massacrada como Petrossauro, buscava sempre apresentar o outro lado, o que aliás fazia, já naquela ocasião, muitas vezes o caracterizarem por essa postura, mesmo em tom de brincadeira, como sendo um “liberal”, como aliás se isso também fosse uma classificação negativa.

O que mais me preocupa ultimamente é que com as redes sociais e com a facilidade na criação de narrativas, estamos, cada vez mais, nos afastando da coerência de uma postura que leve ao respeito às opiniões contraditórias que podem ser diversas. Uma pessoa que em condições normais teria opinião favorável a X, contrária a Y, e favorável a Z, passa a ser favorável a X, Y e Z somente pelos 3 serem defendidos pelo mesmo grupo, ao qual essa pessoa se considera leal.

Transformamos as visões sobre o que é certo ou errado, em uma quase paixão clubística ou em uma disputa tipo Fla-Flu, em que o juiz sempre estará, ao nosso ver, acertando se marcar um pênalti indevido contra o nosso adversário, ou seja, tudo que for feito pelo meu grupo estaria certo mesmo que no íntimo eu considere errado. Já tudo que for feito pelo grupo opositor, estará sempre errado mesmo que no íntimo se mostre o certo.

Em muitas pessoas, já vejo não mais um pensamento crítico pontual, a visão de que cada posição sua pode estar errada. Normalmente o pilar de suas opiniões são algum argumento solto visto em um meme ou texto de WhatsApp (possivelmente falso), e a reflexão racional parece parar por aí. Como se por vir de uma fonte alinhada à sua identidade, a pessoa se recusasse a meramente questionar a possibilidade de estar errado.

Fiquei surpreso quando vi, já no início desse governo, amigos meus que foram contra o impeachment da Presidenta Dilma, o que aliás também considerei manipulado, defendendo desde o início do mandato o impeachment do atual Presidente. Lembrei para eles que o caminho do processo de mudança sempre deveria vir pelas vias democráticas e que não podemos de forma alguma buscar “vias alternativas”, por mais que tenhamos opiniões divergentes do poder atual, já que, afinal, essa era a crítica que fazíamos por ocasião do impeachment.

Esse processo que vivenciamos atualmente é muito preocupante e merece reflexão, pois independente de qualquer resultado nas próximas eleições não podemos mais ter o país crescentemente rachado como foi em 2014 e 2018, com xingamentos, mentiras, intolerância e principalmente sem respeito à democracia e as instituições, cuja fragmentação pode ter consequências inimagináveis no longo prazo.

A opinião divergente, independente de qual lado esteja, quer seja de esquerda, direita ou centro, não pode desqualificar o direito ao pensamento contraditório e a liberdade da sua expressão, por mais que considerarmos absurda.

Colocar a partir das opiniões, uma chamada pecha e até uma adesão imediata a ideias que eventualmente suas preferencias ideológicas possam ter abraçado é uma prática indevida. Não há crime de opinião para temas que não sejam considerados como tal pela própria lei.

O respeito à diversidade deve ser observado não só no campo da sexualidade e da religião, mas também no campo da política e da opinião. Sem isso não há como construirmos uma democracia e principalmente termos uma sociedade equilibrada.

A capacidade de construir através de diálogo e da tolerância tem que ser uma virtude perseguida e principalmente percebida como positiva e que deve ser passada como aprendizado aos mais jovens e àqueles que começam a adentrar na política.

O divã psicológico da hora que vivemos é aquele que nos leva permanentemente a buscar o equilíbrio e as devidas ponderações. Ser tachado e menosprezado por ser direitista ou comunista é uma patologia acelerada pelas mídias sociais e que deve ser repensada e evitada.

Talvez não esteja no meu lugar ao escrever esse texto, mas me sinto um pouco sozinho assistindo esse fenômeno acontecer, e vejo que preciso dizer algo, pois como preconizou Paulo Freire, “só quem sabe pensar certo, mesmo que, às vezes, pense errado, é quem pode ensinar a pensar certo”. E a verdade é que as pessoas com pensamento crítico que ainda restam precisam ter a coragem de criticar o que está acontecendo, afinal, como disse o recém-finado Olavo de Carvalho, “não há nada mais difícil do que fazer alguém tomar consciência da sua inconsciência progressiva”. Nas práticas dos discursos para os seus ícones tanto da esquerda como da direita, muitas vezes falam a mesma coisa, mas cada um de sua forma.

*Engenheiro, Administrador e Jornalista