Covid-19: da LDRT à Síndrome de Burnout

Por Soraya Lambert*

Em menos de 24 horas, a Covid-19 integrou a Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT) e foi suprimida da referida listagem. No último dia 02 de setembro, a Portaria no. 2.345/20, do Ministério da Saúde, tornou sem efeito a Portaria no. 2309/20, publicada no dia 1º, que incluía a COVID-19 como doença ocupacional.

Mas a covid-19 poderia ser considerada doença do trabalho?

Inicialmente, há de se ressaltar que o artigo 20, da Lei no. 8.213/91, em seu inciso II, define a doença do trabalho como aquela adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I, qual seja, relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social.

Nessa definição legal, encontramos o primeiro senão, vez que, como já mencionado alhures, a Covid-19 não integra mais a LDRT.

É fato incontroverso, outrossim, que a Covid-19 é uma moléstia endêmica, que se alastrou por países e continentes. O parágrafo primeiro, do artigo 20, da Lei no. 8.213/91, preconiza que não é considerada como doença do trabalho a doença endêmica.

Frise-se que, em que pese o primeiro caso de coronavírus ter sido detectado no país há quase 7 meses, muito ainda resta perquirir acerca da referida enfermidade, cujos efeitos vão do desconforto à morte, dependendo do paciente que é acometido. E a contaminação pode ocorrer em qualquer lugar. Do elevador do prédio residencial à sede da empresa, passando pelo transporte público e estabelecimentos comerciais, como supermercados e farmácias.

Assim, não é possível caracterizar a Covid-19 como doença do trabalho, considerando o desencadeamento em razão das funções especiais em que o trabalho é realizado.

Sem sombra de dúvida, é necessária a realização de prova pericial, com vistas à comprovação do nexo de causalidade entre o acometimento da Covid-19 e as atividades desempenhadas na empresa. A culpa da empresa também será analisada, considerando a obrigatoriedade da manutenção de ambiente de trabalho sadio e o fornecimento dos EPI´s obrigatórios, os quais, em tempos de pandemia, também abarcam máscaras e displays de álcool gel.

Nesse panorama, questão que vem à mente diz respeito aos profissionais da saúde, que atuam na linha de frente do combate ao coronavírus.

É sabido que o risco de contaminação que acomete técnicos de enfermagem, enfermeiros e médicos é infinitamente superior. Mais de 80 mil técnicos de enfermagem, 34 mil enfermeiros e 25 mil médicos foram contaminados pelo coronavírus. O Sindicato dos Médicos de São Paulo informou que, desde o início da pandemia, 244 médicos brasileiros vieram à óbito.

Assim, em que pese a impossibilidade de inclusão da Covid-19 na LDRT, no caso dos profissionais da saúde, há forte indício de que o acometimento da enfermidade se deu nos postos de trabalho. E isso, sem sombra de dúvida, acarretará outro olhar na distribuição do ônus da prova. O ônus da prova recairá sobre o chamado empregado comum, nos termos do disposto no artigo 818, da CLT. No caso do empregado que é profissional da saúde, o ônus passa a ser do empregador.

Os efeitos danosos da pandemia, todavia, não se limitam à grave contaminação da Covid-19, a qual pode deixar sequelas irreparáveis até o risco de morte. A síndrome de Burnout, que já despontava em várias demandas trabalhistas antes da pandemia, cresce, a olhos vistos, durante a pandemia, atingindo número expressivo de trabalhadores, dos empregados em home office aos profissionais da saúde.

A síndrome de Burnout vem do inglês “to burn out”, que significa queimado, esgotado. É denominada, também, síndrome do esgotamento profissional. Essa síndrome é caracterizada por sentimento negativo em relação ao trabalho, baixa realização pessoal, picos de estresse recorrentes e exaustão, advindos do trabalho extenuante. Referida moléstia é classificada como transtorno mental e de comportamento relacionado ao trabalho, nos termos do Decreto no. 3048/99, Grupo V da CID-10.

Grande percentual de trabalhadores em home office acaba se ativando em jornadas bem mais estendidas do que no trabalho presencial. As incertezas quanto ao futuro da própria saúde e do emprego e o receio do desemprego levam ao aceite imediato de condutas assediadoras.

Os profissionais da saúde, por sua vez, com medo de infectar familiares, recorrem ao isolamento e experimentam sobrecarga emocional e de trabalho, com plantões dobrados. A pandemia de ação devastadora traz emoção à flor da pele até para quem está habituado, no exercício da profissão, ao ciclo natural da vida.

Os sintomas da síndrome de Burnout são cansaço excessivo, dor de cabeça frequente, insônia, negatividade constante, dores musculares, alteração dos batimentos cardíacos e dificuldade de concentração. Caso constatados tais sintomas, o tratamento tem que ser iniciado o quanto antes com profissionais habilitados, com vistas a evitar danos de maior monta.

O novo normal exige muito mais do que distanciamento social, utilização de máscaras e álcool gel constante. É preciso cuidar da mente e do coração.

*Soraya Lambert é Juíza Titular da 14ª da Vara do Trabalho do Fórum da Zona Sul e palestrante jurídica.