Bolsonaro prepara o golpe

por Ruy Castro*

Dos muitos achados de Nelson Rodrigues que entraram para a cultura nacional –”Complexo de vira-lata”, “Subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos”, “O brasileiro quando não é canalha de véspera é canalha no dia seguinte”–, nenhum é mais atual que “Só os profetas enxergam o óbvio”. Nelson criou-o a partir da história de Otto Lara Resende, que, ao ir de carro para o Centro pelo Aterro do Flamengo, passava todo dia pelo Pão de Açúcar e não o enxergava. Por que não? Porque o Pão de Açúcar era o óbvio.

De repente, Otto o enxergou. Freou no meio da pista, desceu atônito e começou a apontar a pedra para interlocutores imaginários: “Não é possível! De onde saiu???”. Outros motoristas pararam para, talvez, socorrê-lo. E, de fato, Otto, que era asmático, foi atacado de falta de ar. “Calma, senhor!”, diziam. Alguém o abanou com o Globo. Ele não se conformava: “Ontem não estava aqui!”. E Nelson completou: “Foi o encontro do Otto com o óbvio. O óbvio ululante”.

Neste momento, estamos também diante de um óbvio que talvez não queiramos enxergar: o de que Jair Bolsonaro chegou a um ponto sem volta na sua preparação para um golpe.

Golpe que ele vem fomentando desde o dia da posse, quando botou em dúvida o voto eletrônico que o elegera – ideia que tem ganhado surpreendentes adesões. Bolsonaro, que já chegou ao Planalto com o aplauso das milícias, dedicou-se imediatamente a armar a população – hoje, o arsenal em mãos de civis, incluindo fuzis restritos às Forças Armadas, vai a quase 2 milhões de peças.

Some a isso as PMs dos estados e o baixo oficialato do Exército, que ele corrompeu com cargos, benesses e ideologia. Efetivo para dar um murro na mesa e mandar um general calar a boca Bolsonaro já tem.

Ah, sim, os generais. Deixaram-no ir longe demais. Talvez por isso, vendo-se sem margem de recuo, tenham agora de continuar com ele rumo à aventura.