O distinto público que se dane – e o bancos criaram a fila para entrar na fila

Paulo Jobim Filho*

A cada início de mês ou em data de pagamento de benefícios, os moradores dos grandes centros urbanos já se acostumaram a ver filas que se formam na frente das agências bancárias logo nas primeiras horas da manhã. Uma cena que faz parte do cotidiano das cidades e uma pequena amostra, uma sinalização, do que espera o usuário no passo seguinte: o hall de entrada da agência. Uma verdadeira sucursal do inferno para o demandante de serviços. No local onde se disponibiliza o serviço de caixas eletrônicos se forma uma segunda fila, a de idosos, pessoas com dificuldade de locomoção, trabalhadores uniformizados, pessoas humildes e usuários diversos. Ali, conformados e ordeiros, esses clientes aguardam o atendimento presencial junto às gerências ou o acesso aos caixas bancários das agências.

É o que podemos definir como fila para entrar na fila, visto que o resultado final dessa primeira etapa é a disponibilização pura e simples de uma senha que habilita o usuário a ingressar em outro espaço de atendimento e aguardar, por um bom tempo, a chamada de seu número.

Logo no início da pandemia, para fazer frente à desinformação do público e à necessidade de dar maior organicidade e fluidez às filas, os grandes bancos, incluindo os oficiais, passaram a disponibilizar um serviço criativo que acabou se revelando de grande utilidade para a clientela menos habituada a efetuar transações bancárias em plataformas digitais e operar os caixas eletrônicos: disponibilização de um técnico do banco que, em uma espécie de corpo a corpo com a clientela, ajudava no esclarecimento de dúvidas operacionais e na organização das filas de espera para o atendimento presencial. Porém, com o passar do tempo e como nos ensina o ditado popular, o que era bom acabou!

Com o fim desse atendimento itinerante e informal tão ao gosto da clientela, em razão do “cobertor curto” potencializado pela escassez crescente de pessoal técnico nas agências, os usuários dos serviços, desnorteados e abandonados à própria sorte, ficaram sem ter a quem recorrer, não restando outra alternativa senão ingressar na fila dos que buscam atendimento personalizado. E o que é pior, encarar de novo um tempo de espera excessivo em razão do evidente desbalanceamento entre a demanda e a oferta de serviços.

Enquanto isso, as justificativas do sistema bancário diante da precariedade do atendimento continuam as mesmas: os transtornos inevitáveis da pandemia, que acabaram determinando a redução do horário de atendimento ao público nas agências, e a limitação de áreas internas destinadas aos clientes em razão da necessidade da manutenção do distanciamento social. A verdade, todavia, não é bem essa: percebe-se, em um simples passar de olhos, uma redução muito significativa e, o que é pior, crescente, de estações ativas de atendimento personalizado ao cliente nos grandes bancos – privados e oficiais – o que tem provocado queda visível na qualidade de serviços, com a consequente formação de longas filas de espera no interior das agências.

Por trás dessa evidente deterioração na prestação de serviços de atendimento personalizado no sistema bancário, agravada pela pandemia, existe uma estratégia empresarial, uma modelagem de negócios, que embasa o interesse crescente dos prestadores de serviço na redução do quadro de pessoal vis-a-vis a ampliação do atendimento virtual proporcionado pela digitalização crescentes dos serviços oferecidos ao público. Nos bancos públicos a lógica prevalecente é a redução do tamanho do Estado, enquanto no setor privado a busca é por eficiência, competitividade e lucro, através da redução ao mínimo de agências físicas justificada pelo incremento da comunicação digital cada vez maior com a clientela. Levantamentos recentes de institutos de pesquisa revelam que 36% dos brasileiros abriram contas digitais junto à Caixa Econômica Federal para recebimento de benefícios durante a pandemia, enquanto 57% das pessoas com internet já possuem contas digitais, o que demonstra tendência crescente de utilização de plataformas digitais pela sociedade.

Embora esse processo de informatização crescente da sociedade em nosso país seja uma realidade, há uma questão de fundo que deve ser considerada: ele não é uniforme. Ao contrário, privilegia determinados núcleos da sociedade mais receptivos que outros à utilização das modernas tecnologias digitais, como é o caso, em um dos extremos, dos mais jovens, criados em um mundo conceitualmente diferenciado a partir de valores que privilegiam o uso em larga escala das interações digitais. Em outro extremo, diametralmente oposto, por exemplo, os mais idosos, com maior dificuldade de interagir nesse novo ambiente propiciado pelo advento das novas tecnologias. Exatamente por isso, o atual modelo de atendimento presencial no sistema bancário deve ser objeto de reflexão. Deve buscar uma solução conciliatória, balanceada, que atenda, por um lado, interesses legítimos que pedem eficiência e competitividade frente à concorrência acirrada que se avizinha, com a chegada de startups voltadas para o desenvolvimento de soluções criativas de baixo custo na prestação de serviços financeiros para o cliente, por meio de bancos digitais e fintechs, e, por outro, a prestação de serviços bancários de qualidade, sem penalizar os “não iniciados” em tecnologias digitais: idosos, pessoas pouco experientes no uso de ferramentas digitais, empregados de empresas que venderam suas folhas de pagamento para os grandes bancos, e assim por diante.

Importante frisar, no contexto da defesa do interesse legítimo dessa clientela desassistida, que não resta dúvida que esse público mais vulnerável está sendo prejudicado em seus direitos fundamentais enquanto cidadãos. A inoperância do atendimento ao público fere direitos que, contemporaneamente, são classificados como inerentes à dignidade humana, valendo assinalar que para ser livre, igual e capaz de exercer sua cidadania, todo indivíduo precisa ter satisfeitas as necessidades indispensáveis à sua existência física e psíquica. Isto é: tem direito a determinadas prestações e utilidades elementares, direito esse que pode ser respeitado quer pelo atendimento individual e empresarial, quer pela oferta de serviços públicos de qualidade.

Por fim, uma questão prática que se coloca: como iniciar e prosseguir uma discussão consequente em torno das questões levantadas neste artigo, fruto de nossas observações no cotidiano de agências bancárias? O caminho inicial que nos parece mais prático é o acionamento da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) através de uma entidade civil de defesa do consumidor, especificamente no que se refere ao tempo excessivo de atendimento ao público nas agências bancárias e à falta de orientação sobre serviços essenciais. Para tanto, pode ser utilizado o link: https:/portal.febraban.org.br/pagina/3055/30/pt-br/canais-de-atendimento.

 

*Administrador público, com interesse nas áreas de desburocratização e atendimento aos usuários