Guedes: uma ótica e lógica que não serve para quem tem fome

Guedes: uma ótica e lógica que não serve para quem tem fome

Por Cláudio Magnavita*

A decisão da equipe econômica de vetar a entrada do Rio na Recuperação Fiscal merece uma reflexão menos passional. É importante tentar entender o mecanismo que levou a equipe chefiada pelo ministro Paulo Guedes a adotar uma posição tão radical.

No primeiro momento, o sentimento é de crucificação. Seria mais um ato desta equipe contra o Estado do Rio de Janeiro. Para buscar uma solução - ou ainda um entendimento - é necessário fazer algumas reflexões. Guedes é, sem dúvida, o presidente da economia brasileira. Ele não foi eleito para o cargo, mas recebeu do presidente eleito, Jair Bolsonaro, uma procuração com plenos poderes e que, até hoje, não foi revogada. Na prática, Bolsonaro terceirizou a Economia. Não enganou ninguém. Disse que não entendia nada deste setor e que daria plenos poderes ao Paulo Guedes. E assim o fez.

Guedes é um economista vitorioso. Fez com seus méritos fortuna pessoal. Ficou rico, de forma absolutamente lícita, porque acertou nas suas escolhas. A sua matriz é a Escola de Chicago, os Chicago Boys. Todo mundo sabia como ele pensava e ele foi o mais transparente possível no processo eleitoral. Trouxe para o candidato Bolsonaro a confiança que o mercado não depositava no ex-militar. Guedes funcionou como um avalista do presidente e até foi o responsável por atrair Sergio Moro. Eleito, Jair Bolsonaro foi impecável. Cumpriu o que prometeu e Paulo Guedes tem sido o mesmo do período pré-eleitoral.

Iria seguir a bíblia de Chicago, fazendo o estado encolher. Este script não incluía um tsunami: a pandemia. A economia do mundo colapsou e os pilares que apoiavam o governo, aliás, de qualquer governo planetário, desmoronaram. A realidade passou a exigir um estado presente, expansivo, assumindo um papel de protagonista, para o qual a equipe de Guedes não estava preparada, nem sabia como atuar. Se fosse um trem em movimento, eles saberiam conduzir. Acelerando ou reduzindo a locomotiva. O problema é que o trem descarrilou e nos manuais dos Chicago Boys não tinham planilhas para colocá-lo de volta aos trilhos.

É nesta situação que está Goiás e agora o Rio. De forma coincidente, dois estados aliados do presidente na questão eleitoral. Nesta leitura política, alguns aliados, correligionários, apoiadores, parceiros e eleitores não fazem parte desta turma, que usa a carta branca dada por Jair Bolsonaro. Também não faz parte desta cartilha, ou no dicionário economês, expressões como: renda familiar, cesta básica, educação de filhos ou recomposição salarial. A economia deles não tem rosto. Só números. Não é importante que a gasolina custe R$ 8 reais no Rio ou que a carne tenha sumido da mesa dos brasileiros. As justificativas econômicas são suficientes: petróleo, dólar e alta da carne por causa dos chineses. É a lei da oferta e da procura e dane-se a panela da D. Maria, já que um dia ela poderá ter a carne de volta. Só que Betinho estava certo: quem tem fome tem pressa. Vai explicar isso para a turma de Chicago.

Se a turma de Paulo Guedes tem razão, dentro da ótica deles, estão absolutamente certos. Eles têm um currículo para administrar. Estão fazendo história e não vão rasgar o currículo de cada um, por fatores, que, na realidade, não lhe dizem respeito. Não há compromissos com as urnas, como não tiveram antes e não vão se imolar na praça pública para Bolsonaro ser reeleito. Cada um voltará para uma milionária vida na iniciativa privada, certos que fizeram o correto e foram coerentes. Terão o sono justo, sem menor afetação ou remorso. Afinal, deram o que acreditaram ser o melhor para o presidente, que deu carta branca. Foram probos e nenhum deles se envolveu em escândalos a La Antonio Palocci.

O Rio e Goiás estão presos nesta teia. Estão presos em uma interpretação da lei dentro da ótica dos Chicago Boys. Para eles, os governadores (todos) são inconfiáveis. Já enrolaram muito as outras equipes econômicas. Servidores estaduais não merecem reposição salarial e, se ocorrer, só daqui a oito anos - apesar da lei não estabelecer isso. Para sobreviverem, que comam ovo, tirem os filhos das escolas particulares e passem a ir trabalhar a pé ou de bicicleta. Servidor é sinônimo de sanguessuga do estado. Corrigir ou repor salários de militares ou da polícia civil é crime. Na ótica da equipe econômica, já foi feito muito pelo Rio. A concessão do saneamento foi feita pela União e não pelo Estado. Vale lembrar que o BNDES trabalhava com uma modelagem mínima. As ações da CEDAE que estavam caucionadas à União nunca foram cobradas. Consideravam que a outorga deveria ser toda usada para pagar dívida. Durante a pandemia, o estado do Rio foi sangrado pela União, de forma impiedosa. Para o Estado foi uma fortuna e para a União, uma gota de água bem microscópica. Só que no meio do caminho havia um ministro e, por acaso, era presidente do STF, Luiz Fux, que restabeleceu a ordem por uma decisão judicial. Na verdade, nunca houve um festival de boa vontade. E sim um inconformismo com uma unidade federativa, que foi saqueada por governadores e, hoje, na visão deles, possui um que dificilmente será reeleito, apesar de comandar a maior aliança partidária, e chegar à eleição com 67% do tempo de televisão. Estariam arrumando a casa para entregar a Marcelo Freixo, assim eles pensam.

Quem está em uma encruzilhada é o presidente Jair Bolsonaro. Será a sua caneta bic que assinará a sentença de morte do estado que foi seu berço eleitoral, dos seus filhos e para onde deverá retornar. Depositar o futuro do Rio nas mãos de Gilmar Mendes ou de outro ministro do STF vai preservar o currículo da equipe econômica envolvida, mas trará um dolo eleitoral muito alto para o presidente, que, até agora, tenta a sua reeleição.

Na próxima quarta, 19, haverá em Brasília uma decisão final sobre este impasse. O juiz soberano será o Presidente da República. A equipe do Rio possui argumentos sustentáveis e que diferem da interpretação ortodoxa da equipe de Paulo Guedes. Nosso Kaizer da economia se sente confortável com a sua lógica e com o pensamento da sua equipe. Quem está em uma fila de supermercado, ou em um posto de gasolina para abastecer, pensa bem diferente. A história seria outra se, no meio deste mandato, não tivesse tido uma pandemia que fizesse o trem descarrilar e estraçalhar todos os manuais de um estado que encolhia. O estado teve de crescer para o Brasil não quebrar, e a pandemia ainda não acabou. O compromisso de Guedes é com a história, porém, o compromisso do eleitor é com a comida para os seus filhos. O caso do Rio pode ser o agente dessa ruptura. Afinal, é preciso confiar em quem apoia o Presidente, como é o caso do governador do Rio, que trabalha para a reeleição dos dois.

*Cláudio Magnavita é diretor de redação do Correio da Manhã