O "dia do calote" em nome da defesa da democracia

O "dia do calote"  em nome da defesa da democracia

Por Cláudio Magnavita *

Nos últimos dois anos no Brasil casos concretos de ataque à democracia. É preocupante que depois de décadas de aprimoramento do processo democrático e com presidentes eleitos democraticamente, tenhamos ataques ao estado democrático de direito. Isto é um fato. Lamentável que a democracia precise ser defendida, principalmente a liberdade de expressão. O Brasil vive uma inversão de papéis. Quem atacou a democracia foi quem restabeleceu a censura e tenta controlar a nova mídia que utiliza as redes sociais como ferramenta de expressão democrática. A opinião pública deixou de ser monopólio dos telejornais e grupos jornalísticos e passou a falar direto com o cidadão e eleitor. Foi dessa forma que o então deputado Jair Bolsonaro foi eleito Presidente da República. Desta vez não teve candidato ungido no Jardim Botânico, como foi o caso de Fernando Collor contra Lula. As forças destes instrumentos de poder foram corroídas pelo ativismo exagerado, que hoje se transforma em ativismo desesperado.

O grande ataque à democracia ocorre quando no judiciário, através de um grupeto de ministros togados que resolve atuar como censor da  nova mídia. Conscientes do instrumento que elegeu um Presidente da República em 2018, resolve atacar e controlar conteúdo, filtrar difusão e até estancar receitas. Atacam também o sagrado mandato de parlamentares eleitos pelo voto popular, condenando-os só por expressar opinião, algo que é garantido constitucionalmente como essência do exercício da função.

Aqueles que criam uma ficção política de ataques à democracia, com um baixo assinado oportunista, não dizem um pio sobre o risco democrático de colocar em um só corpo a figura de vítima, investigador e  julgador como foi realizado por parte do STF. Esta concentração espúria não ocorreu nem na época do regime militar.  São subscritores que calaram ou até fomentaram o afastamento de uma presidente eleita e em pleno mandato, entregando o governo a um grupo de saqueadores que foram parar, quase todos, na cadeia.

A democracia está em risco? Em risco por se questionar um processo de transparência de um sistema que no qual o votante pode ter seu voto mapeado e o sistema de apuração é fechado? No mundo é o inverso. O voto é secreto e a apuração é explícita.

A democracia é colocada em risco quando parte de uma corte ataca sem pudor o Ministério Público e a sua cúpula, que aliás, tiveram os poderes de investigador usurpados na questão da fakenews. A perda da liturgia do cargo coloca alguns ministros do STF em um ativismo político que corrói o papel de guardião constitucional.

O  manifesto rotulado de XI de agosto não poderia ter tido um nome mais  perfeito para batizar. A data é o pavor dos donos de restaurantes em São Paulo. Há mais de 150 anos é conhecido como o “Dia do Pendura”. Um calote histórico que virou crime . A tradição levava os estudantes de direito a comerem, beberem e no final “pendurar” a conta. Muitos restaurantes paulistanos fechavam na data e houve embate entre o Sindicato dos Bares e Restaurantes  que defendiam os estabelecimentos e a Ordem dos Advogados de São Paulo que defendia a tradição do calote.

Na lista de subscritores do manifesto do Dia da Pendura, em Nome da Defesa da Democracia, estão nomes e instituições com longa tradição de espetar na viúva as suas contas. São banqueiros que financiam a dívida pública, que foram atingidos pelo PIX; a FIESP que vive da contribuição sindical e dos recolhimentos do Sistema S, que irriga seus cofres; de empresas que mamaram no BNDES; de intelectuais usuários das leis de incentivos fiscais; e órgãos de comunicação que foram irrigados por empréstimos nunca cobrados ou contratos milionários de publicidades. Sem falar do uso e abuso de incentivos fiscais. Na lista há ex-integrantes do judiciário que passaram a advogar contra a união . Um festival de “penduras”  que transforma este manifesto em uma peça que defende a volta de um estado com gordas tetas.

Não há um caso concreto de ataque, por parte do Executivo, às liberdades democráticas. O que se constrói é uma narrativa que possa justificar um passo mais ousado por parte da trinca de ministros ativistas, capazes de construir no judiciário um mecanismo antidemocrático para impedir o embate nas urnas . Em nome da defesa da democracia, constrói-se um cenário, de alguma artimanha de fato antidemocrática. Este é o grande risco que a democracia corre.

 

*Claudio Magnavita é diretor de redação do Correio da Manhã